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Tratado pantaneiro de emissões entéricas sólidas e a bostologia

Alguns anos após abordarmos o assunto em modesto escrito intitulado ” Céticos e não céticos do aquecimento global e o eco negócio no Pantanal”, mesclando Pesquisas cientificas e conhecimento tradicional, onde pensei que incluindo a Ciência sobre as emissões entéricas do gado, houvesse trazido alguma luz ao malcheiroso assunto.

Eis que ele retorna à pauta e à moda, agora acolitado por burocratas áulicos de magnatas que resolveram peitar o livre mercado e tentar montar um cartório do Carbono e do Metano.

Inicialmente, os ganhos aparentemente são tão vultuosos, que parecem quebrar a idiosincrasia dos financistas e das ongs quanto à imobilização de capital em bens imóveis.

Parece que os pantaneiros tradicionais ainda não conseguiram impor sua relevância no zelo pela sustentabilidade histórica do Pantanal, ficando aparentemente fora das preocupações atuais das falas e discussões em andamento acelerado.

Vamos a mais umas informações para ver se estes apontamentos empíricos conseguem quebrar o paradigma atual.

Com o Sete Estrelo no zênite, única constelação cultuada por nossos antepassados indígenas, lembrei de singelo mito xinguano kamaiurá que se confunde com os cultos guatós envolvendo o ápice no céu dessas mesmas estrelas.

A versão do Xingu conta que uns meninos índios comeram todos os genipapos caídos e subiram na árvore para comer os de cima, quando o tapir chegou e pediu para derrubarem algumas frutas para ele comer.

Um menino derrubou algumas frutas e os outros só jogaram cascas e caroços, a anta então deu um pisão no tronco, e os meninos caíram, sobrando só um em cima, e a anta pisoteou todos até enterrá-los, acalmou- se e foi embora…

O último menino desceu da árvore e depois de muitos esforços conseguiu desenterrar os seus irmãos, resolveram então procurar a anta para se vingar…

Passaram um tempo na aldeia, preparando-se para longa jornada e finalmente partiram em busca da anta.

Depois de muitos dias, encontraram uma emanação entérica sólida da anta, ou excremento antigo e lhe perguntaram : – Quando sua dona passou por aqui? – Ha três meses respondeu o velho excremento.

Continuaram a viajar e foram sucessivamente encontrando excrementos da anta que ao serem perguntados sempre informavam: ” – Há um mês , depois, há uma semana, depois três dias, depois um dia até que encontraram uma bem da hora, ainda fumaceando, que disse passou agorinha mesmo.

Encontraram a anta dormindo, a mataram e fizeram um grande girau para assar todos os pedaços, finalmente satisfeitos e executada sua missão de vingança, resolveram subir pro céu.

Como reza o mito” “-Primeiro mandaram o girau para cima, e em seguida, subiram todos eles. Lá no Céu ficaram todos juntos, reunidos num ponto só. São aquelas estrelas juntas que no tempo frio aparecem baixo ao Sul, e no tempo do calor, do Norte descem para o Centro do céu.”

São essas mesmas estrelas faladas pelos Guató que para eles anunciam fartura de bocaiúvas e peixes no calor e seu apogeu.

Importante lição a ser aprendida é que bostas falam por quem as produz, dão informações preciosas sobre quem as emitiu, como devem saber, também, quem se aventurar a ler um manual de medicina do Tibet.

Dito isto lembrei-me de um velho pantaneiro, com quem fui passar uns dias em sua fazenda no Nabileque.

Estavamos trabalhando gado quando veio um veterinário recém formado fazer uma fiscalização do rebanho da fazenda.

Designados na culatra da vaquejada a coisa começou quando o velho perguntou:

“- Dotô, como ensinam nos dias de hoje, os médicos veterinários a fechar um diagnóstico da doença de um animal?”

O pobre doutor caiu na arapuca! “- Bem senhor, tiro a temperatura, examino as mucosas, faço apalpação de órgãos, retiro sangue para exame etc.”

No ato começaram os escatológicos ensinamentos pantaneiros, que duraram dia e noite a cada vez que aparecia um excremento animal…

Com um resto de menino índio que morava dentro do velho, iniciou-se na própria vaquejada, a cada vez que um animal cagava…”

“- Veja Dotô, aquela novilha acabou de falar que veio daquele caronal seco do Morro do Macauã, tá com pouca água lá, veja o ressecamento da coisa!”

Dali há pouco ele mostrava:”- Veja aquela vaca, deve estar comendo a fartura do mimoso do Corixão, pasto mole, faz a bosta sair escura e aguada!”

Dali a outro tanto cutucava de novo: “- Espia Dotô , prestenção, olha o discurso de politico daquele boi cornicho, óia o tanto de massa verde, esse corno tá pulando cerca e pastando o colonhão novo do vizinho!”

Já que não acreditaram em meu artigo, cheio de links para trabalhos científicos, ou nessas inconfiáveis narrações de índios de cultura oral , peço que acatem o valor da sabedoria secular pantaneira que o velho Tio João Lacerda tão bem encarnava:

“-A bosta de um animal é ele a comunicar como está indo o seu comer, o seu remoer e principalmente, o seu descomer!”

Ruminando essas coisas não posso deixar de contar que me apareceram alguns versos de cururu sobre tão gasoso assunto bem como conversê de galpão, que quando descambava para essas coisas de arrotos e afins, era, com certeza, indício seguro de muita falta de assunto…

Resolvi abrir a internete, daí veio uma enxurrada da mesma conversinha fiada, advogados famosos solicitando leis proibindo pecuária extensiva, e congressos e reuniões dando destaque a figuras carimbadas que querem intermediar, numa ponta desvalorizando por excesso de oferta e na outra ponta administrando garroteadora escassez!

Resolvi então sair e consultar o motivo de toda a polêmica, o ser sagrado na populosa India, a tal da vaca.

Em pouco tempo localizei, pertinho de um coxo, enorme vaca tucura, de colossal barriga cheia de brotos de felpudão, deitada ao lado de seu bezerro dormindo, ruminando incansavelmente à sombra de um pequeno arvoredo.

Aproximei-me, sentei na beira do coxo, e fiquei observando o processo de remoer, a bola de capim subia até a boca onde depois de ruminada com os poderosos maxilares podia vê-la descendo e depois , com um balançar nova bola subia até a boca e enchia as bochechas…

Aguardava o tal arroto e finalmente ele veio! O cheiro pareceu-me semelhante ao da apuração de uma tachada de rapadura de cana, onde depois da fumacinha com cheiro de cachaça vem um agradável cheiro de melado, nossa cultuada vaca, em seus processos entéricos estava sintetizando a partir do capim, açúcares que produziriam carne, gorduras e energia.

Talvez por isso os indianos, a endeusem, uma verdadeira fábrica que a partir do capim produz tantas coisas, incluindo as fezes que lá é usada como lenha.

Como nossa tucura amarelinha não me brindou com emanação de metano, fui procurá-lo na beira de uma lagoa, bem aumentada com recentes chuvas, bastava me aproximar da água e meu peso fazia subir as bolhas de metano vindos da sub superfície e que a água prende e torna visíveis.

Todo capim não digerido pelos quatro estômagos de nossa usina ambulante, não incorporada por seus possantes cascos misturando-os com terra e areia, regados por óleo essencial que as aquecidas águas retiram da vegetação, entram em decomposição como turfa, transformando-se num mega arroto e uma mega emanação de metano , e ainda armazenam o combustível altamente inflamável para futuros incêndios!

Assistimos de longe todo esse midiático endeusamento da falta de assunto e finalizamos, reafirmando que se animais usam suas emanações entéricas sólidas para falar, sem dúvida tem muita fala de especialistas, consultores e investidores trilhando o caminho contrário…

Armando Arruda Lacerda
Porto São Pedro
24/11/2021

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