
Dois dos nomes mais influentes do Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, receberam ao longo de 2024 um total superior a R$ 287 mil líquidos em penduricalhos pagos por órgãos do Ministério Público, onde ambos atuaram antes de ingressarem na magistratura. Os repasses — classificados como retroativos indenizatórios — reacenderam o debate sobre o “drible” ao teto constitucional do funcionalismo público, que hoje está fixado em R$ 46 mil mensais. A informação foi divulgada pela Folha de S. Paulo.
Moraes recebeu R$ 177 mil do MP-SP em valores retroativos
O ministro Alexandre de Moraes foi promotor de Justiça no Ministério Público de São Paulo (MP-SP) entre 1991 e 2002. Em 2024, ele recebeu R$ 177.645,76 líquidos, pagos de forma parcelada. Os valores constam no portal de transparência do MP-SP como retroativos devidos ao período de sua atuação no órgão.
Segundo o MP-SP, os pagamentos dizem respeito a “valores pagos a Moraes correspondem a atrasados reconhecidos por lei e por decisões judiciais, quitados conforme a disponibilidade orçamentária da instituição”.
Gilmar Mendes recebeu R$ 109 mil do MPF
Gilmar Mendes, decano do STF, foi procurador da República entre 1985 e 1988 e manteve vínculo com o Ministério Público Federal (MPF) até 2002. Em 2024, ele recebeu R$ 109.893,76 líquidos, distribuídos entre os meses de março e dezembro do ano anterior.
O MPF afirmou que “os repasses seguem as regras do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e são comuns a membros que passaram pela carreira”.
Salários com acréscimos superam teto constitucional
Somados aos vencimentos que recebem atualmente no STF — cerca de R$ 364 mil para Moraes e R$ 382 mil para Gilmar Mendes ao longo de 2024 — os pagamentos representam um acréscimo de 49% e 29%, respectivamente, aos rendimentos anuais dos ministros. Apesar disso, não são considerados irregulares, pois tratam-se de verbas de natureza “indenizatória, como auxílios, abonos e outros benefícios retroativos, e por isso não entram no cálculo do teto remuneratório do serviço público”.
Especialistas criticam falta de controle e transparência
A repercussão da notícia gerou reações imediatas. Para Juliana Sakai, diretora-executiva da Transparência Brasil, o caso evidencia um vício sistêmico:
“O resultado final é um Judiciário e um Ministério Público que criam e aprovam seus próprios benefícios, com impacto direto nas contas públicas e sem prestação de contas proporcional”, criticou.
O cientista político Rafael Viegas (FGV-SP) foi além e apontou o papel de associações corporativas no favorecimento de tais vantagens, como a ANPR e a APMP:
“É um tipo de corporativismo que não mede esforços para alcançar seus objetivos”, disse.
Juristas alegam que não há conflito de interesses
Por outro lado, especialistas em direito público consideram que os pagamentos são legítimos. De acordo com Thiago Marrara (USP) e Felippe Angeli (Plataforma Justa), “os repasses são devidos e (…) não configuram conflito, pois se referem a créditos legítimos de períodos anteriores à magistratura”.
STF mantém silêncio; gabinete de Gilmar não comenta
O Supremo Tribunal Federal não se pronunciou oficialmente sobre os valores pagos aos ministros. A reportagem da Folha procurou o gabinete de Gilmar Mendes, que respondeu apenas que “não comentaria o caso”.
Debate sobre teto e privilégios no Judiciário ganha força
A revelação sobre os penduricalhos recebidos por membros da mais alta Corte do país reacende discussões sobre “os limites do teto constitucional, a transparência nos gastos com o alto escalão da Justiça e a autonomia de órgãos que, em muitos casos, acabam decidindo sobre os próprios benefícios”.
Em um momento de ajuste fiscal e crescente cobrança por austeridade no setor público, “a percepção pública sobre privilégios no Judiciário segue como um ponto de tensão — e desgaste”.