
A decisão de manter uma sentença que condenou a Gol Linhas Aéreas a reverter uma demissão por justa causa imposta a uma ex-funcionária que se recusou a ser vacinada contra a Covid-19, foi tomada por unanimidade pela 12ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2º Região.
A companhia dispensou Marília Almeida, sua despachante técnica, em 2022, após 12 anos de serviço, durante uma série de demissões por justa causa. A justificativa da empresa para tal medida foi a suposta falta de comprovação de vacina.
No começo, Marília apresentou um pedido liminar para revogar a demissão, contudo, a Justiça recusou a solicitação. Posteriormente, ela solicitou a anulação da justa causa e a compensação por danos morais.
O segundo pedido de Marília foi atendido pela Justiça, assegurando à antiga funcionária da Gol direitos como aviso prévio, 13º salário proporcional, férias, multa sobre o FGTS e seguro-desemprego.
No processo, o Ministério Público do Trabalho expressou que não havia evidência de uma advertência formal antes da demissão.
Adicionalmente, a Gol recusou-se a aceitar um atestado médico fornecido por Marília que a isentava da vacinação contra a covid-19 devido a comorbidades. Ela sofre de uma doença autoimune que a torna suscetível a tromboses.
Ao relatar o caso, o desembargador Fernando Antônio Sampaio da Silva considerou “inválida” a dispensa por justa causa, uma vez que Marília “comprovou a contraindicação médica de ser vacinada”.
Gol tentou desacreditar médico e chamou Marília de “negacionista”
Na tentativa de justificar a dispensa de Marília, a Gol questionou o laudo fornecido pela empregada, alegando que o médico que o assinou era “conhecido nas redes sociais como ferrrenho ativista político antivacina”.
Em outro trecho, a defesa da Gol disse que a ex-funcionária é “defensora de ideologia política negacionista” e reproduziu publicações feitas por Marília nas redes sociais que continham dúvidas sobre a eficácia dos soros anticovid e críticas à vacinação compulsória.
“Quanto às postagens realizadas pela autora nas redes sociais, conforme os elementos já expostos, a tentativa de lhe impor a vacinação e a consequente dispensa por justa causa pela recusa foram ilegítimas”, diz um trecho da decisão. “Logo, ao fazer constar em suas redes sociais ‘#nãosoucobaia’ e que sua empregadora tenta lhe coagir a vacinar-se, principalmente após sua dispensa (conforme o esclarecido em seu depoimento), a autora não ofendeu a honra da ré.”
Procurada pela Revista Oeste, a Gol Linhas Aéreas disse, por meio de sua assessoria, que “não tem comentários” sobre o caso.
A ex-funcionária da Gol teve uma decisão favorável na última instância da Justiça do Trabalho, publicada no início do mês de maio.
Sentença cita decisões do STF sobre vacinação compulsória
Em seu voto, o desembargador Fernando Antônio citou julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) que fixaram “a premissa de ser legítima a vacinação compulsória por meio de adoção de medidas coercitivas indiretas como medida de combate à pandemia de covid-19”.
O juiz de apelação recordou também que o STF julgou inconstitucional a portaria do Ministério do Trabalho, emitida em novembro de 2021, que impedia o empregador de solicitar o “passaporte vacinal” como condição para contratar ou manter um vínculo empregatício.
Em seguida, o desembargador destaca: “A Suprema Corte também fixou a tese de que o empregador, ao optar por rescindir o contrato de trabalho, deve ‘ponderar adequadamente as circunstâncias do caso concreto”.
Quando abordou o caso particular da ex-empregada da Gol, o desembargador descartou o argumento da empresa de alegada parcialidade do médico, considerando que os laudos produzidos pelo mesmo profissional para outros três ex-colaboradores foram aceitos pelo tribunal de primeira instância em casos parecidos.
Marília relata desgaste, mas diz não se arrepender de “buscar justiça”
Nesta quinta-feira, 12, Marília relatou diversas dificuldades durante o processo, incluindo desgaste emocional, físico e financeiro.
“Fui afastada por burnout, tive que lidar com a ansiedade, medo, e, muitas vezes, com a sensação de impotência”, contou. “Não é fácil ver sua vida virar do avesso, enfrentar julgamentos, ser acusada de mentir, de comprar atestado.”
Marília citou gastos com advogados, médicos, terapias e medicamentos durante todo o tempo em que tramitou a ação.
“No campo profissional, o impacto foi ainda pior: após três anos da minha injusta demissão, não consegui me recolocar no mercado de trabalho”, afirmou. “O estresse constante afetou meu desempenho, minha produtividade e até mesmo minha motivação. O medo de represálias e a incerteza sobre o futuro tornaram cada dia um desafio.”
Apesar dos probemas que enfrentou, Marília diz não se arrepender de “buscar justiça”.
“Não é apenas sobre mim, mas sobre todas as pessoas que podem estar passando pela mesma situação”, disse. “Se eu pudesse deixar uma mensagem para quem está enfrentando algo parecido, seria: não desista. Você não está sozinho. Busque apoio e informe-se. O caminho pode ser longo e doloroso, mas a verdade e a justiça valem a luta.”
Outras quatro pessoas que anteriormente trabalhavam para a Gol obtiveram uma decisão judicial favorável para revogar a justa causa de demissão associada à recusa de vacinação. Em todas as situações, a Gol foi ordenada a compensar os ex-empregados.
As informações são da Revista Oeste