
Imagine uma empresa exportadora de milho, café ou carne — construída com sacrifício, emprego e planejamento — arrancada de seu rumo por uma sobretaxa brutal que reduz à metade seu acesso ao maior mercado do mundo. Parece dramático? Pois é exatamente isso que empresários brasileiros enfrentam diante da tarifa de 50 % proposta pelos EUA, que começará a valer em 1º de agosto de 2025.
Esse cenário não se resume a números: representa risco real ao capital de giro, às exportações brasileiras e à manutenção de empregos. O setor produtivo levou ao governo federal um conjunto de medidas emergenciais que, no papel, deveriam mitigar esses impactos — mas, na prática, revelam fragilidades e tensões dentro do próprio Estado brasileiro.
A crise anunciada
O comitê interministerial, coordenado pelo vice-presidente e ministro Geraldo Alckmin, recebeu da indústria um pedido de socorro: flexibilização das leis trabalhistas, nos moldes do BEm da pandemia, e uma linha de crédito para refinanciar ACCs (Adiantamentos de Contrato de Câmbio).
Esses ACCs, essenciais ao capital de giro, agora enfrentam inadimplência devido à paralisação das exportações. Sem receita em dólares, as empresas não conseguem pagar os adiantamentos. O pedido inclui prazos maiores, juros menores e carência — condições que, se negadas, podem levar à falência de negócios estratégicos, o advogado João Valença do VLV Advogados, explica que “estamos falando de um impacto direto sobre a sobrevivência de empresas que sustentam cadeias produtivas inteiras, sem medidas rápidas e coerentes, o efeito dominó será inevitável: falência, desemprego e retração econômica regional.”
Medidas estaduais
Na ausência de respostas federais claras, alguns estados decidiram agir por conta própria. Em Goiás, o governador Ronaldo Caiado anunciou uma linha de crédito de até R$ 628 milhões, com juros abaixo de 10 % ao ano. Em São Paulo, Tarcísio de Freitas liberou R$ 200 milhões, com taxa a partir de 0,27 % ao mês e carência de um ano. Outros estados criaram comitês para discutir soluções semelhantes. De acordo com Valença, são iniciativas válidas, mas ainda insuficientes frente à escala do problema, ainda segundo o advogado,“o risco é criar uma colcha de retalhos, onde empresas de um estado conseguem respirar, enquanto outras afundam sem o mesmo apoio. Precisamos de uma coordenação nacional.”
Falhas sistêmicas e risco ao tecido produtivo
A crise expõe uma realidade preocupante: a falta de articulação federal. A flexibilização trabalhista defendida pelos empresários encontra resistência no governo federal. E as negociações diplomáticas com os EUA não demonstram eficácia até o momento.
Para empresários, o tarifaço já começou a ser sentido. Cancelamentos de contratos, renegociação de prazos com bancos e demissões silenciosas se tornaram rotina. Pequenas e médias empresas são as mais vulneráveis, “é preciso lembrar que uma empresa exportadora não é só um CNPJ — é um conjunto de famílias, empregos e compromissos sociais que estão em risco”, destaca o advogado. “Quando o Estado se omite, ele transfere o peso da crise para quem está na ponta.”
A ausência de coordenação federal
Apesar de articulações e reuniões com autoridades americanas, o governo federal ainda não anunciou um plano robusto. Enquanto isso, as tarifas seguem prestes a entrar em vigor.“O silêncio do Estado diante de uma crise anunciada é, por si só, uma forma de negligência institucional”, afirma Valença. “A Constituição impõe ao poder público o dever de proteger a livre iniciativa e o desenvolvimento nacional. Isso exige mais que discursos: exige ação concreta.”
Este não é apenas um caso econômico — é uma ameaça à estabilidade jurídica e produtiva do país. O tarifaço pode ser o gatilho de uma crise generalizada se não houver uma resposta rápida, unificada e tecnicamente estruturada.
Por Gabriela Matias (jornalista, redatora e assessora de imprensa)