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O Pantanal da direita e esquerda, dos anos 60 para cá!

Os de fora, olham, mas não vêm, não conseguem ler na enchente a seca, no frio o calor

Publicado em 27 de Setembro de 2020

Iniciando esta tentativa de fazer apanhado histórico dos anos 60 para cá , relembro que os versículos do Eclesiastes, foram transformados num rock de sucesso mundial que dizia ” há uma hora de nascer, e uma hora de morrer”!

Minha filha Luiza, ao comentar um “especialista” que afirmou num noticiário que “o Pantanal nunca mais será o mesmo” disse “- É uma frase de quem não conhece o Pantanal, ele nunca foi o mesmo, nunca é “.

Por isso o Pantanal só é amado pelos pantaneiros, que aguardam e se acostumaram a suas mudanças inconstantes da terra pra água, do zero do frio pro calor do fogo…

Os de fora, olham, mas não vêm, não conseguem ler na enchente a seca, no frio o calor, ou vice versa, o caminho na macega, a passagem no corixo, nem distinguem morros ocultos no profundo do chão do largão de meu Deus.

O Pantanal é recente, e como tudo é guiado pela natureza e seus excessos, deveria ser óbvio que se há excesso de vida há excesso de morte, não é omissão é submissão à natureza! E o fogo é um agente transformador, nunca destruidor!

Convencionou-se que as duas margens do rio Paraguai, a direita de quem desce, a morraria com bastante mata decidual e manchas de estacional e a esquerda úmida com muito pasto, mas sujeita a inundações.

Embora com comunidades pantaneiras morando nessa parte alta, eles mais exploravam as reentrâncias e bocainas, acessando os dois lados do morro e dos rios.

O gado leiteiro do Amolar pastava do outro lado do rio Paraguai, as vacas atravessavam a noite para dormir junto com os bezerros, depois de leiteadas iam ambos vacas e bezerros pastar do outro lado, depois do meio dia atravessavam de volta para apartar e prender os bezerros e as vacas novamente iam para o outro lado…

Esse Rio Paraguai era um reles corgo para o povo e o gado da vila do Amolar e do Palmital, deles a lição ignorada: pé de serra está mas não é Pantanal!

Ai vieram os primeiros empresários e compraram barato ou regularizaram no Estado aquelas matas quase todas, empreitaram a derrubada com venda da madeira custeando a operação e trouxeram o progresso tencionando engordar bois em pastagens artificiais, formadas com os capins da época Colonião, Jaraguá e Braquiária decumbens…

Cedo perceberam o engano, os capins bons estavam lá na beira do rio, aquelas matas secavam de rachar o chão e o resultado era péssimo, mas as beiradas, como ensinavam os ribeirinhos eram melhores para engordar o gado.

Em meados dos anos 70, sobreveio o período de enchentes e o Pantanal deslumbrou o mundo com seus bichos e aves fazendo junto com as águas imagens de plasticidade e beleza insuperáveis.

Foi quando chegaram os ambientalistas que trariam o progresso com o decantado turismo, a industria sem chaminés em Parques e Reservas naturais.

Quando chegaram viram aquele mundo de pantaneiros chorando gado e bens que as enchentes estavam levando na margem esquerda e foram, felizes, rir junto com os magnatas da margem direita, o dos morros!

Mas num tinha ribeirinhos e pequenos proprietários na margem direita? Tinham, mas tirando poucos heróis resilientes, todos foram expulsos para a margem esquerda, pois ali na direita seriam as turísticas Reservas Ecológicas .

Mais gente chorando na margem esquerda ouvindo as gaitadas e músicas da margem direita e a partir do ano 2000, do meio do rio, nas intermináveis festas e libações dos turistas pescadores, indústria sem chaminés mas com barcos destruidores de barrancas e extraindo todo o peixe possível.

Eis que de repente, os chorões da margem esquerda começaram a rir, está secando! Está secando!

É tempo de criar gado, tirar leite, ter fartura de rapadura, farinha e todas as frutas e frutos. É tempo de criar, plantar e colher. É tempo de ser feliz!

Mas como? Justo agora que íamos implantar o diamante do progresso do Delta do Okwango nessa margem ?

Afinal, nós da margem direita, aprendemos que o capim colonião, o jaraguá e a decumbens adoram o fogo e até os usam como dispersores de sementes…

Também descobrimos que morros são micro-ondas ao sol, e tem todas as espécies de mosquitos e mutucas? Todos os tipos de carrapatos, do microscópico micuim ao redolerão de cudeanta? Paremos nos carrapatos, não precisa mais nada para aterrorizar todos os gringos do planeta!

Turismo de massa só será possível lá na margem esquerda, só tem uma solução vamos retirá-los a todos, rindo ou chorando…

Só Deus e Todos os Santos na causa dos pantaneiros para livrá-los de tão maléficas intenções, uma conversa com qualquer pessoa urbana, e aquilatamos o assassinato de reputação praticado nos últimos dias em desfavor dos pantaneiros

Acompanhou-me até aqui leitor? É, devo ter romanceado fatos e personagens deste Rio Paraguai e São Lourenço, mas siga-me em mais algumas remadas virtuais nesta região…

Abra o Google, localize Corumbá, retroaja ao inicio do ano 2020 e venha subindo mês a mês e também o Rio Paraguai.

Verifique você mesmo, a diferença ideológica entre focos de calor do bem, na margem direita e queimadas do mal na margem esquerda!

Se ambos parecerem incêndios e até do mesmo tamanho, indiferentes em qual margem estão, como o velho pantaneiro Dr. Cássio de Barros diria: -” Parabéns ao Pantanal e a você, a você por ser inteligente e ao Pantanal por ser maravilhoso”.

Mas não podemos encerrar sem um recado específico a uóis e geuns, todos nós pantaneiros temos orgulho de nossos pais e antepassados pantaneiros, a herança de 250 anos de Pantanal fala por si, repudiamos a invenção de um tipo penal que foi a imputação feita aos dois únicos pantaneiros arrolados como responsáveis, seriam “herdeiros”…

Não , isso não é surreal, é idiota simplesmente.

Em homenagem aos verdadeiros heróis anônimos pantaneiros de ambas as margens, desaparecidos durante estas escaramuças: Marinho Pilar da Barra do São Lourenço, Dona Iracy Magalhães do Amolar, Compadre Aluizio e Adilson do Chané, Dona Branca do Jaracussu, Dona Dina do Bonfim e seu Benedito Dias da Boca do Mirim!

Armando Arruda LacerdaPorto São Pedro

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