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Duas palavrinhas “Eu avisei”

Um transtorno que poderia ter sido evitado, mas não foi

“Eu avisei”, duas palavrinhas que quando aparecem dão a certeza de que houve um transtorno que poderia ter sido evitado, mas não foi.

Essa é a sensação de cada morador pantaneiro em relação ao trágico e devastador incêndio enfrentado nesses últimos meses e que ainda acumula muitos prejuízos e danos irreparáveis.

Estamos falando de um povo que cuidou da região por mais de 300 anos, período em que o bioma foi protegido de maneira exemplar e figurou entre os mais preservados do planeta. Não por acaso, a área chama atenção mundialmente, tanto pela exuberância da flora, fauna e hidrografia em geral, como pelo conjunto da paisagem como um todo, composta também pelo povo que ali habita. Durante a gestão do povo pantaneiro, o local foi tratado como refúgio de vida preciosa que é.

Interesses diversos foram despertados por esse lugar, e em poucos anos criaram-se tantos programas de “proteção”, que os moradores da região começaram a ficar impedidos de levar a vida e tocar em frente o trabalho já executado há três séculos, continuamente.

Tanta legislação restringindo, tanta ideologia, tanta ONG e tanta gente “cuidando”… Ainda que depois de muitos protestos, silenciaram e sufocaram a voz desse povo que vive no Pantanal. Não houve consulta a eles. Os reais protetores e maiores interessados na preservação ficaram proibidos de criar o gado que já era parte da paisagem de modo sustentável e inofensivo, e de fazer o manejo do uso da área, como sempre foi feito e que nunca acarretou danos anteriormente.

Com isso, a matéria orgânica seca se acumulou na terra, deixou de servir de alimento à criação e serviu de combustível natural para o fogo que se alastrou e consumiu tanto desse lugar. É verdade que quando chover, muito vai rebrotar. Mas as mortes já foram causadas; propriedades e estruturas perdidas, toda uma população passando por problemas respiratórios e, sem dúvidas, um enorme custo a todos. Uma atmosfera comprometida, o ciclo de chuvas alterado, um país em mazelas ambientais.

O homem pantaneiro foi contra. Avisou. Mas com a região sendo comandada pelos “ambientalistas”, que transformaram a área em laboratório, não obtivemos bons resultados. Será que não resta comprovado que o poder concedido a quem é de fora, tantas leis e restrições estão acabando com o Pantanal?

Se deixassem os cuidados ao encargo de quem ama aquela terra e vive dela, não teríamos que nos lamentar assim. Diante desse cenário, é preciso rever a postura prepotente de quem quer tomar conta daquilo que não lhe é devido, quando sequer sabe como proceder, como ficou evidenciado pelos eventos recentes.

Existe uma sabedoria antiga, tradicional, respeitadora da vida e dos limites, que foi solenemente ignorada. Os apelos e constantes avisos do povo pantaneiro não foram ouvidos. De outro norte, os donos de meias verdades, supostos defensores, colhem agora os maus frutos que plantaram, ou melhor, impedem todos aqueles que precisam dos frutos que a natureza concede de os colherem. Amargamos as perdas.

“Eu avisei”, na voz do pantaneiro, não soa aqui como um deboche, pois não nos agradamos em nada com o que está acontecendo em Mato Grosso. Soa como um alerta! Esse povo continua avisando, continua pedindo ao poder público que se posicione diante da realidade dos fatos como são, e não sobre hipóteses e soluções prontas de senso comum com vestes de científico. Ninguém paga mais a conta do que quem vive nele.

Por: Ana Lacerda

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