ArtigoNotícias

Redes e redes pantaneiras, COPs e OMECs

No Pantanal, o que diferencia o peregrino ou viajante, do andarilho sem destino ou rumo seria a expressão “- Nem rede para dormir !”

Quando vieram as primeiras “Reservas Ecológicas” a primeira coisa que fizeram foi expulsar as populações tradicionais locais, com a força da Lei e do título de propriedade adquirido, muitas familias tiveram de reiniciar a vida do zero absoluto, perdendo até as redes de dormir…

No Pantanal, sob o governo de regras culturais não escritas, nas fazendas havia a permissão aos colaboradores de também criarem gado, e parte do pagamento era feito em animais, forma empírica de participação nos lucros e quando a invernada da “Mistura”, destinada a esse gado comunitário, ficava cheia, era porque alguém adquirira rebanho suficiente para lançar-se como empreendedor e tocar sua vida num novo local.

Ainda havia a possibilidade de ir morar na beira do rio que banhasse a fazenda, com extensos campos abertos condominiais, lá teriam privancia e autonomia para negociar livremente seus produtos.

Não havia expulsões ou queimas de casas, havia tão somente compreensão solidária, que nos inexoráveis pulsos de fluxos e refluxos do Pantanal, os patrões poderiam virar peões e os peões poderiam virar patrões.

O objetivo central era colaboração e construção da independencia econômica de cada núcleo familiar e as mangueiras e taquareiras nas beiras dos rios sinalizam a história de uma imensa quantidade dessas células autônomas de ribeirinhos.

Aí vieram o Estado e as leis, regras, portarias, que trouxeram junto os espertalhões que aproveitaram para adquirir as desvalorizadas áreas sob enchentes, que passaram a ser monetizadas como Reservas, motivo da exclusão, principalmente, das pessoas que haviam desenvolvido habilidades específicas de extrair ou criar sem destruir a natureza do Pantanal

Esgotados os titulos das fazendas cujos proprietários se urbanizaram ou desistiram da luta, passaram os tais investidores a buscar formas e meios de adquirir os valiosos títulos originais, aliando-se a banqueiros, ongs e leis fiscais, daí as execuções sumárias, exacerbação de disputas envolvendo fragilidades familiares e muitos casos de campanhas de assassinato de reputação.

Em recente reunião do Pontes Pantaneiras em Campo Grande, participamos do diálogo das populações tradicionais pantaneiras, apresentando respeitosamente, informações da realidade sobre incêndios e exploração de animais, aos membros de Governos, Academia e Ongs .

Destaco a veemente participação do conhecido parente Anisio Guató, sobrevivendo a delicada condição de saúde, que nos brindou, às lágrimas, com emocionante sabedoria ancestral: “-Desenvolvimento sustentável é d e s ou negação do envolvimento com o sustentável!”

As populações tradicionais ganharam muito por debaterem com pessoas altamente preparadas, extremamente talentosas, e tentamos mostrar que muitos deles continuam reféns de uma armadilha temporal, equivocadamente tentando ampliar áreas de reservas no Pantanal, imaginando que o estariam protegendo.

Demonstramos por várias falas os malfeitos da exploração turística desenfreada de animais mortos ou vivos, enquanto a esterilização de atividades, as proibições e o não fazer para os pantaneiros, passariam a ser equivocadamente comemorados como triunfos da luta ambiental.

Ali comprovamos que as maiores organizações ambientais do mundo, como TNC e WCS buscam incentivar modelos outros que não sejam áreas onde, por ser tudo proibido, tudo é permitido.

Essas organizações descobriram o fato de que “Reserva” em língua portuguesa, por ser palavra polissemica NÃO se tratava do suposto sinônimo de áreas protegidas, quando o que realmente pretendiam era incorporar áreas conservadas tradicionalmente e independentes economicamente.

Causa espécie que após tantos comparecimentos a seguidas COPs, nossas comitivas vão e voltam com os mesmos equívocos, desconhecendo as verdadeiras metas Internacionais, que afirmam, há décadas, que não querem EXPORTAR modelos de Reservas e sim IMPORTAR outros modelos comprovados de conservação ambiental, desenvolvidos especificamente em territórios como o Pantanal.

A Cop 14 , há muito tempo, definiu e aprovou o que seriam OMECs:

“Uma área geográfica que NÃO seja área protegida, que seja governada e gerida de modo a alcançar resultados positivos e sustentáveis em longo prazo para conservação in situ da biodiversidade com funções e serviços ecosistemicos associados e, quando aplicável, com valores culturais, espirituais, socioeconomicos e outros localmente relevantes.”

Trata-se estas OMECs da Organização do Modelo Espacial de Conservação, como historicamente praticado nas fazendas tradicionais do Pantanal e que passam longe, muito longe, da ampliação de desgastadas “áreas protegidas via SNUC”.

Por ajudar a desvendar este segredo, as populações tradicionais ficarão eternamente gratas ao representante do MMA, que nos abriu a possibilidade do registro voluntário como OMEC, junto aos órgãos gestores Nacionais e Internacionais.

Sugerimos às comitivas brasileiras a excelente oportunidade nesta próxima COP 28 em Dubai, de talvez o Brasil e o Pantanal poderem apresentar sua história própria de real Conservação visando obtermos de imediato, o reconhecimento da Rede de Pecuária Pantaneira como historicamente praticada no Território do Pantanal.

O Pantanal nunca impõe, só expõe… Para sua perfeita compreensão, só necessita que sejam observados com um mínimo de humildade, sensibilidade e sinceridade.

Armando LacerdaPorto São Pedro

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo