
Há muitos anos, íamos certa madrugada em busca de pacus no Porto Chané, estando muito escuro, pegamos uma trilha errada na imensa invernada de baixo da Fazenda Ypiranga, trilha que terminou num cocho de sal.
Paramos um pouco e um dos pescadores desceu da caminhonete, e como acreditava-se profundo conhecedor da região, nos disse para aguardar pois a bitola principal estava perto e ia verificar a pé e já voltava, e na luz dos faróis foi sumindo na escuridão.
Como demorava para voltar , dali a pouco gritamos para ele voltar, e ouvimos o espocar de um tiro.
Viramos o carro na presumida direção, sinalizamos com novos gritos e piscando os faróis.
O certo é que, entre gritos e tiros, raiou o dia e nada do companheiro, funcionamos o carro e retornamos pela batida da trilha , encontrando a estrada da sede da fazenda.
Ali acionamos os vaqueiros a cavalo, e nos espalhamos batendo as trilhas em busca do desaparecido.
Copiosa garoa atrapalhou a busca, e chegada a hora do almoço ainda não havíamos encontrado o sumido companheiro.
Após mais algumas horas de preocupação eis que localizamos o perdido, arranhado, esfomeado, resgatado por um velho peão numa moita de pateiro.
Contou-nos que desistindo de sinalizar resolveu esperar o amanhecer, quando ouviu a caminhonete indo embora, correu em sua direção e esgotou o restante da carga do revólver.
Sumido o carro, procurou se orientar pelo sol e saiu a caminhar em busca da estrada principal, a chuva o apanhou e molhou seus cigarros e fósforos, finalmente, após muito caminhar resolveu abrigar-se e esperar…
Pensou em fazer um fogo, mas os fósforos recusavam-se a acender, espalhou-os por tronco para secar, juntou algum capim e graveto úmidos e viu que seria impossível mesmo com os fósforos secando, iniciar uma fogueira que indicasse sua posição.
Tempo para pensar… Lembrou-se que em sua carteira havia boa quantia em notas graúdas, esperou até ter certeza que o fósforo poderia acender, rasgou o dinheiro e conseguiu acender o ansiado fogo, usando a mais seca das notas, uma vistosa nota de 100 dólares que escondia dobrada, num vão da carteira.
Quando o fogo encorpou, alternava com folhas verdes para fazer bastante fumaça, sendo assim localizado pelo peão que cedeu a montaria e o puxou no rumo da estrada.
Descreveu o seu medo pela arma descarregada, pelo tempo que esperou o fósforo secar, e pela insuspeita utilidade do dinheiro que portava.
Moral do causo e realidade pantaneira: a única utilidade de dinheiro no oco do Pantanal, é acender fogo…
Armando Arruda Lacerda26/06/2024
Homenagem ao querido Comandante Paulo Gustavo Arruda de Lacerda, gratidão por ter inspirado tradição de Lacerdas voadores, vítima involuntária da pescaria do relato…