A comercialização de produtos rotulados como “sabor café”, mas que não contêm o grão torrado e moído em sua composição principal, tem causado preocupação na indústria brasileira de café. A Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) vê a prática como uma tentativa de enganar os consumidores, especialmente em um momento em que os preços do café atingem níveis recordes nos mercados globais.
“O chamado ‘café fake’ ou ‘cafake’ é uma clara e evidente tentativa de burlar e enganar o consumidor”, afirmou Celírio Inácio da Silva, diretor-executivo da Abic, em entrevista à Reuters.
A entidade identificou recentemente a venda desse tipo de produto em Bauru (SP). Um exemplo é o Oficial do Brasil, que traz na embalagem a descrição “bebida sabor café tradicional”. Segundo Silva, apesar da indicação de que não se trata de café puro, há risco de confusão devido à semelhança da embalagem com a dos cafés tradicionais e ao preço muito mais baixo.
Fabricante se defende: “Jamais enganamos o consumidor”
A Master Blends, empresa responsável pelo Oficial do Brasil, rebateu as críticas e afirmou que deixou claro na embalagem que se trata de um subproduto do café.
“Em momento algum falamos que é café, criamos apenas um subproduto para atender uma classe que está sofrendo a cada dia que passa. Este produto é composto de café e polpa de café torrado e moído, está escrito ‘bebida à base de café’ na frente e também atrás da embalagem…”, afirmou a empresa em nota.
A fabricante, com 32 anos de mercado, citou exemplos de outros setores que passaram por mudanças semelhantes:
“O que foi feito é o mesmo já feito por outras empresas conhecidas e grandes no mercado, o que era leite condensado virou mistura láctea, antes havia bombom com cobertura de chocolate e agora está com cobertura sabor chocolate”, argumentou.
Preços elevados impulsionam o “café fake”
O aumento do preço do café tem sido um fator-chave para a expansão desses produtos alternativos. O café arábica negociado na Bolsa de Nova York atingiu 3,8105 dólares por libra-peso, um recorde impulsionado por uma safra frustrada no Brasil, o maior produtor e exportador mundial do grão.
Desde o ano passado, a indústria de café tem repassado o custo da matéria-prima aos consumidores, fazendo com que o café tradicional no varejo chegue a custar cerca de R$ 30 o meio quilo. Em contrapartida, o “café fake” é vendido a preços significativamente mais baixos, como os R$ 13,99 cobrados pelo Oficial do Brasil, segundo levantamento da coluna Café na Prensa, da Folha de S.Paulo.
Abic aciona Anvisa e Ministério da Agricultura
Diante do avanço dos “cafakes”, a Abic já denunciou o caso ao Ministério da Agricultura e à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), levantando preocupações tanto mercadológicas quanto sanitárias.
“É preciso ter autorização da Anvisa, tem que comprovar a segurança alimentar”, alertou Celírio Silva, acrescentando que a entidade já avisou o setor supermercadista de que tais produtos não deveriam estar nas prateleiras.
A Master Blends, por sua vez, afirmou que seu produto tem autorização da Anvisa e não precisa do aval do Ministério da Agricultura para ser comercializado.
Risco para a imagem do café brasileiro
O diretor da Abic também apontou que a venda desses produtos vai na contramão dos esforços para valorizar o café brasileiro, que no passado lançou um selo de pureza para combater fraudes como a mistura de grãos moídos com milho torrado.
“O Brasil mostrou que café não é tudo igual, tirando esse ranço de que nós não bebemos bons cafés… Se não combatermos isso, as pessoas vão começar a beber este ‘café’ e dizer que não gostam… elas podem diminuir o consumo”, alertou.
A polêmica levanta um debate importante sobre a transparência na rotulagem e a proteção dos consumidores, em meio ao aumento dos preços do café e à busca por alternativas no mercado.