
Na comunidade de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio de Janeiro, o poder estatal cedeu lugar ao domínio absoluto de milicianos armados, que impõem uma rotina de terror silencioso, extorsão sistemática e controle total da vida cotidiana.
“Condomínios privados” com taxa de portão e mensalidade obrigatória
Desde fevereiro, pelo menos 15 portões metálicos foram instalados em vias públicas da comunidade — todos por ordem da milícia local. A justificativa usada é a segurança, mas os moradores sabem que a motivação é outra: aumentar a arrecadação criminosa.
Para obter a chave de acesso, cada morador precisa pagar R$ 400 em dinheiro vivo. Depois disso, uma taxa mensal de R$ 50 por residência é cobrada, sem recibo. Quem tenta resistir, enfrenta represálias.
“Quem não paga é intimidado. Não tem negociação. O método é o de sempre: arma apontada, gritos e humilhação”, relatou um morador à GloboNews, sob anonimato.
Gás, água e energia: monopólios clandestinos sob o comando do crime
Em Rio das Pedras, o acesso a serviços básicos como gás, água, internet e energia elétrica é controlado por criminosos, que transformaram a infraestrutura da comunidade em um negócio paralelo altamente lucrativo.
- Um botijão de gás custa R$ 150, sendo R$ 35 desviados diretamente para a milícia;
- Um garrafão de água mineral de 20 litros, vendido por R$ 15, tem quase metade do valor embolsado pelos criminosos;
- A energia elétrica clandestina é imposta como regra, não como escolha: instalação ilegal custa R$ 400 para residências e até R$ 1 mil para comércios;
- A fatura “mensal” do fornecimento de luz pode chegar a R$ 100 por residência e até R$ 3 mil para empresas, dependendo do porte.
Comércio sob cerco: impostos da milícia estrangulam negócios locais
Os comerciantes enfrentam um verdadeiro regime de cobrança forçada, com alíquotas impostas pelo crime organizado:
- 10% sobre cada venda realizada;
- Taxas semanais de segurança entre R$ 50 e R$ 350;
- Fechamento forçado de estabelecimentos para quem se recusa a pagar.
“É a lei”, declarou um comerciante. “Ou paga, ou fecha.”
Em uma região com mais de 4 mil estabelecimentos, a milícia arrecada milhões sem prestar nenhum serviço legítimo — apenas mediante a ameaça direta e permanente de violência.
Clima de medo: comunidade vive sob silêncio forçado
À noite, homens armados circulam pelas ruas, impondo uma vigilância opressora. Moradores evitam falar abertamente sobre a situação. As conversas se limitam a mensagens de texto, nunca por áudio, e nomes ou menções à milícia são tabu absoluto.
“À noite, é o terror”, desabafou um morador. “Passam homens armados, fazendo ronda. Todo mundo finge que não vê, porque se falar, paga com a vida. ‘Rio das Pedras’ pede socorro.”
Mesmo após a prisão de um dos chefes do grupo, a estrutura criminosa permanece intacta, operando com métodos mais sofisticados e territorialmente enraizados.
Ausência do Estado e o avanço do domínio paralelo
A Polícia Militar afirma que intensificou o policiamento e coopera com a Polícia Civil nas investigações, mas os relatos dos moradores desmentem qualquer mudança concreta no cotidiano. As cobranças, ameaças e o domínio armado persistem.
A realidade de Rio das Pedras é um exemplo extremo, mas não isolado. Outras comunidades do Rio enfrentam situação semelhante: grupos armados substituem o Estado e impõem seu próprio conjunto de “leis”, cobrando taxas, administrando serviços e controlando vidas.
Um retrato do colapso institucional nas periferias urbanas
A milícia de Rio das Pedras opera como uma máquina de extorsão em larga escala, num ambiente onde o Estado não entra, a lei não alcança e o cidadão é refém. O que deveria ser exceção tornou-se regra em áreas urbanas negligenciadas.
A comunidade não clama apenas por segurança, mas por algo mais profundo: resgate da dignidade, do direito à cidadania e da presença efetiva do poder público.