Espionagem ilegal na Abin: PF aponta Bolsonaro como responsável, mas ex-presidente fica fora de lista de indiciados
Com o inquérito finalizado, o próximo passo está nas mãos da PGR, que decidirá se transforma as conclusões da PF em denúncia formal. Se o Ministério Público aceitar os fundamentos do relatório, os acusados poderão se tornar réus e responder a ações penais no Supremo.

Por Gabriela Matias
A Polícia Federal finalizou uma investigação que traz sérias acusações sobre o uso indevido da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo Bolsonaro. Segundo o relatório, a estrutura oficial foi usada para monitorar ilegalmente autoridades, jornalistas e cidadãos comuns, com o uso de um software espião altamente invasivo. Jair Bolsonaro, segundo os investigadores, teve conhecimento do esquema e se beneficiou diretamente, embora não tenha sido incluído formalmente entre os indiciados.
Como funcionava o esquema de espionagem da Abin
A estrutura investigada ficou conhecida como “Abin paralela” porque funcionava à margem dos controles institucionais. O grupo utilizava o sistema FirstMile, uma ferramenta israelense capaz de rastrear a localização de celulares em tempo real, sem a necessidade de autorização judicial.
A tecnologia foi usada para mapear rotinas de ministros do STF, servidores públicos, membros do Congresso, jornalistas e até opositores políticos do governo. Tudo isso com recursos públicos e sob a cobertura de uma suposta missão institucional da Abin. Na prática, o sistema servia para fins pessoais, políticos e eleitorais, criando um aparato de vigilância estatal a serviço de interesses particulares.
Quem são os acusados no inquérito da PF?
Ao final da apuração, a Polícia Federal indiciou 31 pessoas, incluindo nomes próximos ao ex-presidente. O mais conhecido é Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin e deputado federal, considerado peça-chave na criação e operação do esquema. Ele era uma figura de confiança do presidente e, segundo a PF, foi o responsável direto pela implantação do sistema de espionagem.
Carlos Bolsonaro, vereador e filho do ex-presidente, também foi indiciado. A PF aponta que ele teria recebido relatórios produzidos por meio da espionagem ilegal e utilizado esse material em estratégias digitais para atacar adversários políticos nas redes sociais. O envolvimento de Carlos reforça a tese de que o sistema de inteligência era alimentado e usado diretamente pelo núcleo político familiar de Bolsonaro.
Bolsonaro foi responsabilizado, mas não indiciado
Embora o relatório da PF afirme que Jair Bolsonaro teve conhecimento do funcionamento da estrutura ilegal e foi beneficiado por ela, ele não foi formalmente indiciado neste inquérito. A justificativa é técnica: Bolsonaro já foi indiciado por organização criminosa em outro processo que envolve tentativa de golpe de Estado, o que impede novo indiciamento pelo mesmo tipo penal enquanto não houver desfecho judicial.
Isso, no entanto, não o isenta de responsabilização futura. O caso agora segue para análise da Procuradoria-Geral da República (PGR), que poderá propor nova denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF) com base nas evidências reunidas. O relatório da PF já deixa claro que a conduta do ex-presidente contribuiu para o funcionamento da rede criminosa.
Quais autoridades foram espionadas?
O levantamento feito pela PF mostra que mais de 10 mil rastreamentos foram realizados de forma ilegal. Entre as vítimas estão nomes do mais alto escalão do Judiciário, como os ministros do STF Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. Também foram espionados parlamentares, advogados, procuradores, jornalistas e até pessoas próximas do próprio governo.
Esse monitoramento em massa revela que o sistema tinha como foco o controle de informações e a antecipação de movimentos adversos ao governo. Em outras palavras, tratava-se de um instrumento político disfarçado de aparato estatal, capaz de comprometer seriamente os pilares da legalidade, da privacidade e do devido processo legal.
O que pode acontecer nos próximos passos
As acusações envolvem crimes como invasão de dispositivo informático, interceptação ilegal de dados, obstrução de justiça e organização criminosa. Caso condenados, os envolvidos podem enfrentar penas severas. No caso de Bolsonaro, uma nova denúncia pode ser integrada ao processo mais amplo que já tramita no STF e que investiga um suposto plano de golpe para manter o ex-presidente no poder.
O escândalo da “Abin paralela” revela um desvio grave da finalidade de órgãos de Estado, que deveriam zelar pela segurança nacional, mas acabaram operando como ferramentas de espionagem política. A Polícia Federal deixou claro que o ex-presidente Jair Bolsonaro estava ciente do funcionamento dessa estrutura e se beneficiou dela. Embora tenha ficado de fora da lista de indiciados, a possibilidade de responsabilização futura não está descartada.
Como informado pelo advogado João Valença, do VLV Advogados, o conteúdo do relatório da PF reforça a configuração de uma organização criminosa estruturada e com finalidade política, o que pode embasar novas ações penais no Supremo Tribunal Federal.
Em um momento de debate profundo sobre os limites do poder e a proteção da democracia, o caso traz à tona a necessidade de reforçar os mecanismos de controle institucional e impedir que a inteligência de Estado seja usada contra o próprio Estado de Direito.