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Rotas Pan Americanas, caminhos ferroviários e velhas canções permanecem…

Dizem que pouca coisa sobrevive aos quinze anos que indicam uma mudança geracional, outras permanecem por séculos e até milênios.

Temos em Corumbá uma rota turística muito mais importante que as decantadas 66 Route nos Estados Unidos e o Caminho de Santiago na Espanha, pois sempre foi reverenciada pelas populações autóctones andinas, que por ela montaram a maior distribuidora informal de produtos do mundo.

Rota cantada na música “Trem do Pantanal” de Geraldo Roca e Paulo Simões, que virou a obra prima com características de um verdadeiro hino a celebrar a eternização dos sonhos juvenis nos novos adultos.

Um dia, há quase meio século, esses dois amigos de juventude, aportaram cedinho em nossa casa de Corumbá, desembarcados de um vagão de Segunda Classe da Noroeste, importante componente de inspiração na canção com que eternizaram aquela noite, ao cruzar o Pantanal.

Enquanto providenciavam os vistos para pegar o trem em Quijarro, então pouco mais que uma estação, Dona Cerise providenciou aos mochileiros duas latas com carne assada com farinha e paçoca de pilão, aptas a sustentar pantaneiros em sua viagem de mochileiros nas aventuras do impropriamente cognominado “trem da morte”.

Esta via do Brasil até a Bolivia, Chile e Peru transcende uma simples rota turística, percorrê-la seria como um batismo para todos os jovens europeus que deixam a Universidade, celebrando a transição de estudantes para os compromissos da vida adulta.

Os mochileiros, mesmo sem o charme do trem da Noroeste, continuam a frequentar a velha rota, agora de ônibus, cortando a América do Sul desde o Litoral do Oceano Atlântico até o Litoral do Oceano Pacífico, subindo das águas do Litoral Central da Planície do Pantanal até as neves eternas dos Andes.

O tino comercial das populações originárias há muito tempo cultivou e desenvolveu o comércio neste imemorial caminho que muda a vida de todos os que o percorrem, desde os imemoriais tempos do Peabyru, onde Pea é caminho, abe é antigo e yu seria ida e volta.

Aqui em Corumbá, tempos após a extinção do serviço de passageiros da Noroeste, encontrava-me um dia a conversar com meu amigo Ahmad Schabib, nas antigas instalações do Alojamento Schabib na Frei Mariano, quando insistentes batidas no portão exigiram a atenção de meu anfitrião.

De um livro guia recém impresso em língua alemã, mostravam alguns mochileiros a descrição e a recomendação de que ali encontrariam excelente pouso para recuperar forças, mostrando que a tradição tende a superar as mudanças impostas pelas fragilidades da condição humana.

Quando vejo alguém mais velho com mochila, imagino um bem sucedido empresário ou profissional liberal, que deve ainda bater no antigo Alojamento Schabib, consultando velho diário de viagem, em busca da reconstituir momentos e recordar personagens da distante juventude.

Como a canção, a rota de trem agora reduzida de Quijarro a Santa Cruz de la Sierra, está cristalizada na lembrança de todos que por ela seguiram, vivenciando como na canção “Mochileira”, as noites claras de Machu Picchu e os dias dourados da Califórnia.

Os recém chegados a Mato Grosso do Sul ficam a imaginar novas rotas, e o abandono dos caminhos indicados nas velhas estações ferroviárias os induz a pensar que mudarão caminhos ancestrais que o mundo inteiro conhece.

Estes perenes caminhos ainda mantêm intacta a força de poder marcar, profundamente, a vida dos que os percorrem.

Geraldo Roca, agora brilhando perto do Cruzeiro do Sul, ainda não mandou nenhum sinal, e o Simões, volta e meia, nos cruzamos pelas esquinas de Campo Grande…

Como as desaparecidas civilizações pré-incaicas e as antigas civilizações incaicas, os modernos mochileiros continuam a chegar e a partir no eterno fluxo e refluxo do universal “rito de passagem” das gerações humanas.

Como o hino dos “outsiders” continua a emocionar com o ritmo da canção que rememora os sons do desaparecido trem da NOB, todos os que chegam a Corumbá, verdadeiro Portal Bi Oceânico para os Andes e o Pacifico, eternizado nos imortais versos: “-As estrelas do Cruzeiro fazem um sinal, todos sabem que o medo, viaja também, sobre todos os trilhos da terra, rumo a Santa Cruz de la Sierra.”

Armando Arruda LacerdaPantaneiro Panamericano

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