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O causo do quati mundéu sonhando que voava moda tuiuiú sobre a história do Pantanal…

O quati envolvendo-se nas folhas amaciadas no seu velho ninho suspenso a vários metros do solo, sonhou que era um tuiuiú,  voou para o alto, subindo velozmente  até a dobra do espaço-tempo, onde pode visualizar todo o passado histórico  do Pantanal.

Inicialmente divisou uma secular disputa entre dois polos conflitantes , como se fossem os  pulsos naturais  opostos de inundação e de seca.

Viu que essa disputa envolvia duas potências coloniais  europeias que dividiram a América do Sul, mas ambos os lados das tais Tordesilhas, eram  voltados quase totalmente para o extrativismo radical, sejam a  prata  dos cerros andinos ou o ouro das minas do Brasil

A crônica burocrática da Espanha , nos relata o histórico episódio do transporte, por terra, de numeroso rebanho de bovinos, equinos e ovinos, partindo de Buenos Ayres, infelizmente  desbaratado pelos nativos quando próximos a Asunción,  e que se aclimataram e colonizaram todo o Pantanal, a partir do  Sul do Chaco.

Século e meio depois , ele vislumbrou  esse gado espalhado por todo os mares de capins do paraíso da herbívora, que seria inicialmente  utilizado   por levas de  extrativistas e caçadores, que se alimentavam da saborosa carne,  com o valioso  couro  servindo como base inicial da florescente  exportação, logo estendido para peles de todos os animais  aquáticos e terrestres, utilizados  nos rigorosos invernos europeus, incluindo ate couros de ofídios, répteis e penas de aves nativas, preciosos  enfeite para chapéus e outros acessórios da moda nas abastadas metrópoles europeias.

Observou também a extração de essências e óleos  vegetais nativos abundantes para uso medicinal até se estabelecer  um gigantesco  ciclo da erva mate, onde descendentes das potências coloniais europeias, agora como nações  independentes disputavam  nacos das antigas metrópoles.

Visualizou nosso sonhador aventureiro, concomitantemente o estabelecimento de humildes e   pacíficos núcleos de agricultores e criadores, aproveitando de tamanha   abundância  natural , para desenvolver uma sociedade que mesclou a humildade da pastorícia campesina europeia, plenamente integrada com os cultivares indígenas, temperados pela sede de liberdade dos oriundos da  África.

Nesse cadinho de criatividades, todos  para perseguiam  privança e autonomia, cristalizou-se uma nova e verdadeira  cultura, originalmente pantaneira, onde, quanto mais se adaptassem às inconstâncias e dificuldades da natureza, fixando-se em profunda simbiose com terras e águas, mais  ampliavam sua autonomia e independência dos afazeres  extrativistas de cúpidos aventureiros, que pululavam nos centros urbanos de antes e do pós-guerra Guazu.

No privilegiado ponto de vista do tuiuiú, pode finalmente entender que essa ânsia de pertencimento e adaptação às inconstâncias do território produziu, ao longo de séculos, um  imenso rebanho que possibilitou que inúmeras indústrias a produzir e exportar charque, extrato de carne, couros e subprodutos, surgindo também a indústria do açúcar e da aguardente, povoando com inúmeros  engenhos as margens do Rio Cuiabá.

Para  esses  afastados e quase  autônomos produtores e criadores, cuidando da sobrevivência faltava o tempo ocioso, dos que degustavam a feérica vida proporcionada pelos bens do extrativismo comercial urbano, trocados por sedas, cristais, calçados  e trajes e até manteiga inglesa, enquanto se divertiam com companhias líricas induzindo o consumo do absinto dos finos whiskies escoceses,  champagnes e conhaques franceses e célebres vinhos portugueses.

Nessas libações urbanas, se engendravam  políticas para  confiscar  os ganhos de florescentes estabelecimentos rurais e industriais, e com a renovação  da exploração e  exportação das inesgotáveis florestas de erva mate e exóticas madeiras tudo vendido “in natura”..

As ruínas da Usina Itaici e tantas outras, e da indústria em  Descalvados e tantas outras,  confirmam quem venceu o embate.

Entretanto, mesmo com o triunfo do extrativismo, a pecuária pantaneira ganhou relevante importância, e os carros de boi e batelões a zinga, depois da guerra mundial, foram cedendo espaço a tratores, caminhões e até aviões.

No apogeu do criatório do rebanho pantaneiro, perto do fim do Século XX, um acontecimento mudou radicalmente a trajetória de progresso, após mais  de década de estiagem, eis que sobreveio  um duradouro  ciclo   de enchentes.

O único socorro nessa circunstância de verdadeira catástrofe climática,  foi o financiamento governamental e até internacional, a fundo perdido para abrir e povoar os cerrados dos planaltos com o desvalorizado  gado pantaneiro.

Saqueados por decreto num difícil momento que exigiu severa adaptação da vida pantaneira, sofrendo  também a imposição de uma diáspora  humana dos habitantes independentes das planícies, destituídos da alegria como   argonautas e centauros senhores do meio natural , foram constituir mão de obra farta e barata nas hostis periferias das cidades circundantes.

Restou a muitos  resilientes pantaneiros  abrir mão das férteis áreas inundadas e buscar  adaptar-se as áreas secas, trocando a macega dos duros capins  rabo de lobo, rabo de burro, fura-buxo por gramíneas mais palatáveis.

Mercê dessa mudança imposta pelas circunstâncias, ocorreu que a tradicional pecuária, disponibilizou a adubação coletiva proporcionada pelo próprio rebanho apascentado que distribuía para a natureza úmida todos cuidados sanitários como sais minerais, medicamentos, vacinas e água pura, melhorando a sustentabilidade da flora e fauna locais, dada a profunda simbiose destas criações com o ambiente inteiro.

Enquanto isso, um novo tipo de concupiscente extrativista surgiu e se apossou, financiados por capitais de risco máximo: – O especulador investindo nas áreas inundadas, temporariamente inviáveis para pecuária, objetivando criar latifúndios ambientais denominados Parques e Reservas …

Quando planejavam o assalto final, a expulsão dos derradeiros moradores, ribeirinhos, pescadores, e até fazendeiros assentados em colônias idealizadas  por Cândido Rondon e os criadores tradicionais, micros, pequenos, médios e grandes indistintamente  acossados por leis e regras novas, a acabar  vendendo  para esse novo modelo importado de reservas particulares, subsidiados por  projetos ancorados num tal  Sistema Nacional de Unidades de Conservação -SNUC.

Mesmo nos dias de hoje, seguindo as determinações do inconsciente coletivo, quando um pantaneiro vai abrir uma morada num lugar desabitado, a providência inicial é acender uma Mãe de Fogo, pois sabe que a partir dela obterá  para seus filhos   a iluminação das trevas, a alimentação saborosa cozida ou assada e o conforto térmico nas intempéries.

Quem vive em simbiose com os quatro elementos formadores  da natureza sustentável, entende que a Mãe do Fogo disponibiliza também aos seus  filhos  humanos, além das utilidades  corriqueiras, o cumprimento da mais atávica missão  para tão diletos  filhos: – A proteção física e espiritual do fogo amigo!

Quando se retornou a período natural de seca, exacerbado por um assoreamento brutal causado pelo desembestamento da velocidade dos sedimentos dos rios oriundos das altitudes do planalto, sujeitando a planície depois qualquer chuva sazonal mais forte virar uma enchente e qualquer estiagem normal, virar uma seca catastrófica, agora denominadas como mudanças climáticas.

Do elevado ponto de vista nosso sonhador  viajante, já entendeu o óbvio: -Ou se diminui a velocidade das águas no Planalto, como previsto nas barragens  do PCBAP Plano de Conservação da Bacia do Alto Pantanal, permitindo a infiltração e recarga dos aquíferos ou a planície, com seus rios tamponados arderá em chamas, mesmo após uma  grande cheia anual.

Entretanto poderíamos supor que os Incêndios descontrolados, restritos as áreas ditas “protegidas” atingiram, atingem hoje e seguirão atingindo amanhã, num aviso óbvio tantas vezes provado e comprovado, ano após ano  nos Parques Nacionais, Estaduais e RPPNs.

Este fogo amigo que transforma tais  “áreas protegidas” num inferno de fogo descontrolado, acalmaram um pouco o ímpeto dos que,  a pretexto de  proteger o Pantanal, divulgavam aos quatro cantos do mundo que tudo deveria virar reservas privadas, administradas por novos donos investidores, com seu  capital prometendo a verdadeira preservação do Pantanal .

Em pouco tempo, os Corpos de Bombeiros Militares do MT e MS, demonstraram profissionalismo e compromisso com a vida, puderam comprovar que só há  combate eficiente impedindo  focos aleatórios de fogo virarem incêndios, quando ocorrem em   áreas de criação pecuária,  somando o conhecimento de sua técnica  com as  máquinas,  equipamentos e  a infraestrutura particular,  bem como o minucioso conhecimento  do local por parte dos moradores e colaboradores das fazendas ativas dirigindo o fogo para áreas pastejadas, que sabem livres do excesso de combustível oriundos da matéria seca desvitalizada…

As áreas adquiridas por Ongs ou transformadas em áreas protegidas do sistema SNUC como Parques Federais, Estaduais ou Municipais, RPPNs, Estações Ecológicas, APAs ou similares  até que funcionaram  precariamente enquanto se manteve o grande  ciclo de  pulso de cheias.

A desestabilização do efeito REI – Rolamento , Evaporação e Infiltração, nas íngremes áreas de Planalto, comprovado cientificamente no PCBAP Plano de Conservação da Bacia do Alto Paraguai, que mapeou todos os pontos necessários  para voltar a reter água no Planalto,

por  construção de PCHs, restabelecendo a menor  velocidade natural nos córregos e vertentes que passaram a despencar velozmente  daquelas íngremes  altitudes.

Rios côncavos, de canal navegável profundo até Cáceres , Cuiabá, Coxim e Miranda, mesmo no auge do período de estiagem dos anos 60,  tornaram-se convexos e rasos, alguns represados por tamponados completamente na Planície.

O Pantanal, que muitos desconhecem situar-se em média 600 metros abaixo dos Planaltos adjacentes, perdeu os benefícios dos rios subterrâneos dos aquíferos recarregados pela infiltração, a ideia de proibir barragens no Planalto e desconhecer que barragens e o entupimento nos planos rios na Planície, clamam aos céus por completa estupidez.

Com o período de estiagem previsível após tantos anos de enchente, surgiu nesses férteis campos da beira rio, mesmo que “protegidos” no papel, uma explosão crescente na quantidade de material vegetal, que por não serem  pastejados nesse modelo, impõe adoção de severas medidas mitigadoras.

EIA RIMA e medidas mitigadoras deverão passar a ser exigidas para qualquer ampliação de áreas protegidas tipo SNUC, alcançando também estas áreas “protegidas já existentes, que insistem em incendiar todos os anos, levando consigo o que resta de matas ciliares e APPs dos cursos d’água.

Nesta inversão de valores ao omitir as conclusões científicas do PCBAP e as audiências públicas da ANA que autorizaram democraticamente as dragagens de recuperação na Planície e barragens no Planalto, escondendo com  campanhas midiáticas  os resultados catastróficos nestes mais de quarenta  anos de SNUC, hoje em dia a destruição das APPs acima de Corumbá  nestas  áreas  “protegidas” são visíveis até por satélites, e se constituem  a  principal causa da destruição junto com os rios da sustentabilidade do Pantanal, agora visível sem necessitar perícias.

Nas audiências públicas para construção do Código Florestal de 2012, registrou-se  a completa ausência de qualquer participação dos  professores e acadêmicos engajados e das Ongs, culminando com deletéria campanha de difamação  contra os democráticos resultados quando da  aprovação legítima.

Quem participou sabe que houve aceitação e resultados imediatos por parte de 100% dos proprietários micro, pequenos, médios e grandes do Pantanal ao Cadastro Ambiental Rural e demais previsões legais de Cotas de Crédito de Reservas Ambientais, Prestação de Serviços Ambientais pois objetos de ATOS  DECLARATÓRIOS voluntários  por parte dos proprietários.

Para o Pantanal foi um raio de luz, pois possibilitava remunerar os proprietários que não quisessem usufruir dos 80% liberados para desmate, podendo  utilizar esse excedente como cotas arrendáveis para o notório excesso de desmatamento .

Ao alugar esse excedente, poderiam os produtores da planície,  tornar viável  economicamente  a pastorícia em pecuária extensiva tradicional, nos campos  onde comprometessem manter 100% ou o percentual legal  da vegetação  nativa.

Tão logo tomaram conhecimento dessa possibilidade  as Ongs iniciaram uma verdadeira reforma agrária às avessas, assediando funcionários públicos após tabelar preço vil nas áreas ainda inundadas ou semi inundadas, para extração desses novas commodities ambientais  e também azeitando a permuta  do gigantesco  passivo ambiental dos Planaltos em  Parques ambientais na Planície.

Desenvolveu-se um modelo de engenharia de picaretagem ambiental, escondendo resistência de inúmeros inocentes vendedores pantaneiros, monopolizando Cotas, PSA e Créditos de Carbono forcando a venda das fazendas, onde somente as Ongs viabilizam rapidamente os entraves  burocráticos para tais compradores poderem oferecer  anistia de  passivos ambientais e ao mesmo tempo extrair todas as possibilidades das novas  commodities, ao final repassando novamente aos poderes públicos  como Parques, feliz deslinde escondida na filantropia da doação por  gratidão…

 Eis mais um Parque Federal, Estadual ou Municipal com o poder público assumindo responsabilidade arcando com tudo que diga respeito a preservação de tais áreas…

Negócio da China? Não, negócio sendo escondido por vendedores da preservação da onça, arara ou qualquer outro bicho e que desandará, após destruírem a pecuária tradicional num deserto de gente, custeado com os impostos arrancados extrativamente do sangue e couro dos contribuintes urbanos e rurais.

Não se trata somente de insegurança jurídica, trata-se de cegueira institucional aos que têm poder de comando e controle no Pantanal  ao serem manipulados por banqueiros e banqueiras  com intensão de fazer philantropia no Pantanal, queira Deus e a Mãe do Fogo que se feche  esta verde lavanderia.

Não parece crível que uma aposta especulativa e extrativa  como essa possam  conseguir destruir e levar a completa extinção uma cultura  secular que deveria ser modelo global de sustentabilidade

Enquanto for possível, o pantaneiro estenderá aos animais selvagens, os mesmos cuidados como sua criação bovina, equina e ovina sem desmatamento da flora, suprindo graciosamente como sempre o fez, água de boa qualidade, suplementos minerais que melhoram a saúde e terminam adubando e corrigindo deficiências do solo, substituindo invasoras impalatáveis por gramas  macias e nutritivas, remédios e vacinas que erradicaram a aftosa e outras pestes  que dizimavam a fauna.

Aos negacionistas e céticos que não acreditam no que seus olhos vêm, eis  a oportunidade de se exigir  uma perícia técnica isenta que certamente levará  a todos adotarem os princípios  e protocolos da sustentável cultura pantaneira para que o Pantanal dure outros trezentos ou três mil anos, com a beleza de flora e fauna, só  possível visualizar  nos locais cuidados por pastorícia tradicional.

Pantanal e pantaneiros  construíram este  protocolo de convívio humano sustentável com a natureza , e deveriam servir de modelo e continuar a pagar impostos e gerar riqueza em seu território,  os órgãos de comando e controle Federais, Estaduais e Municipais, se insistirem em manter esta absurda guerra do fogo , continuarão queimando mais e mais   recursos públicos, doações privadas e subsídios  para manter este  infernal e inviável modelo SNUC de Parques e Reservas .

O quati mundéu acordou, olhou para os imponentes tuiuiús com seus filhotes no alto da piuveira e correu para contar seu vívido sonho ao secretário dos bichos do Pantanal, o João Curutu, desejando que a criação tradicional de animais bombeiros ou  fire oxes sejam um Oxford ou passo dos bois científico,  modelo para o mundo.

O João Curutu mandou continuar escrevendo e divulgando, mesmo que o pantaneiro não tenha forças para impor, parece impossível que a verdade da  beleza e sustentabilidade nos 95% das áreas do Pantanal, seguirem sendo esquecidos, já que continuam a ser o maior percentual coletivo particular protegido num mesmo  bioma do planeta Terra.

Armando Arruda LacerdaPorto São Pedro

31/10/2025

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