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A Moda do Constellation ou a Vingança do Viajante!

Um viajante farmacêutico atendia a praça de Cuiabá periodicamente, logo notaram que, quando parado, seus pés ficavam numa posição semi abertos, num ângulo que no relógio correspondiam às dez pras duas!

Ele contou-me o caso, e como eu sabia que o apelido de “Dez pras duas” o molestava profundamente, não seria de todo injusto pensar numa vingança, visto que diariamente nesses horários alguem ligava e perguntava: “-Sabe que horas são? São dez pras duas Dez pras duas…

Estando na cidade, um amigo buscou-o e levou para um grande evento político:
A inauguração do novo aeroporto da cidade com a vinda do quadrimotor Constellation da Panair do Brasil!

Toraro pra Várzea Grande onde praticamente estavam todos da cidade para presenciar o fato, era tanta gente que havia um rigoroso controle com tapumes e policiais, mas instalaram uns alto falantes onde o locutor da rádio A Voz do Oeste, incansavelmente tecia loas aos políticos responsáveis por tão grandiosa obra que espalharia a fama progressista da cidade e do Estado para o mundo. Certo era que muito pouco se via e o calor era abrasador!

Incentivados pelo locutor que esgoelava boas vindas ao progresso e à modernidade, a multidão foi ao delírio quando a elegante aeronave fez uma passagem baixa, troando seus quatro poderosos motores…

Fez graciosa volta, aterrizou e taxiou para o pátio, e foi um deslumbramento a altura da porta de saída já que muitos conheciam a tacanhez das escadas dos DC-3…

Encostada enorme escada, com uma guarnição que só permitia ver alguma pessoa quando ela começava a descer a grandiosa escada.

O locutor ia citando as autoridades que iam descendo sob aplausos: Ministro da Viação e Obras Públicas, o Governador, os Senadores, os Deputados Federais, Presidente da Companhia e demais autoridades que lotavam o imenso avião.

Os citados pelo locutor, paravam um instante para agradecer os aplausos e desciam segurando o corrimão, acontece que o vento embalou e ocorreu um fenômeno com todos os citados, segurando o corrimão com a esquerda amedrontados pela altura e o vento, acenando com a direita, todas as gravatas foram parar sobre o ombro esquerdo, único lampejo que todos visualizavam da cena.

Com o agravamento do vento quente e o poeirão, as autoridades com rapidez incomum desincumbiram-se das formalidades, ansiosos por voltar a aboletar-se nas confortáveis poltronas no ambiente com ar condicionado e prosseguir na degustação das finas iguarias e bebidas disponíveis no copioso buffet a bordo do Constellation.

À noite, anexo ao Hotel haveria uma estréia beneficiente de um filme no Cine Teatro, depois um jantar dançante num dos salões, a instâncias do amigo, lá foi o Dez pras Duas para o cinema, onde para seu espanto, todos os cavalheiros usavam a gravata no ombro esquerdo.

A alguns que insistiam em usá-la da maneira convencional, sobre os botões da camisa, logo eram convencidos a aderir à nova moda, direto do Cidade Maravilhosa, trazida no vôo inaugural do Constelechom…

Naquele pequeno mundo, tanto no cinema como no baile todos usaram a gravata sobre os ombros, alguns até as pregaram com alfinetes para que não retornassem à posição normal!

Divertiu-se muito o Dez pras Duas nessa noite, prelibando a vingança de tantos que debochavam de seu apelido, vendo-os submeter-se ao ridículo de uma moda inexistente na Capital do País.

Era o vento! Repetia às gargalhadas, lacrimejando de tanto rir, não era moda do Constelechom, era só o vento da Tchapada!

Não se zanguem comigo, amigos de Cuiabá, cidade onde morei e com minha família fui carinhosamente recebida como djente nossa, e de onde temos ótimas recordações, pelamorde Deus não me liguem nesse horário, qualquer manifestação de contrariedade seria aceitar como verdadeira a maligna vingança do Dez pras Duas, fruto exclusivo de minha imaginação.

Armando  LacerdaPorto São Pedro
04/07/2021

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