Além da ala exclusiva para a comunidade, também foi entregue o espaço destinado aos cursos profissionalizantes na área de beleza que serão ofertados em parceria com o Sebrae.
Uma das travestis que tomam à frente na hora de reivindicar também é a primeira a narrar a mudança de estrutura e no trato. Entre idas e vindas desde 2014, nos últimos quatro anos, o endereço dela é o número 2732 da Rua Indianápolis, no Noroeste.
“Faz tempo que a gente tenta ter um espaço só para nós, mas nunca teve essa possibilidade como agora. Me falaram que não tem cadeia no Brasil inteiro, que tem um espaço só para LGBT e nosso ainda vai ter salão”, comemora a travesti, de 34 anos.
Antes, as mulheres trans, travestis e homens gays que pediam, ficavam isolados do restante em celas dentro do Instituto Penal. Agora, além das celas, o pavilhão permite que elas tenham a “liberdade” dentro do regime fechado na penitenciária.
“Não querendo justificar o erro que a gente cometeu lá fora, mas tem muitas meninas que se tivessem oportunidade, não precisavam estar presas. Faz unha, maquiagem, cabelo, henna, sobrancelha, mega hair, tudo. Agora, com essa chance, acredito que a gente vai se profissionalizar e, quando sair, vai ter uma profissão e não vai precisar ir pra rua mais, porque vai ter uma profissão que a gente gosta e sabe exercer”, enfatiza.
Na prática, a ala exclusiva significa segurança, que é dever constitucional do Estado proteger a integridade física e moral dos presos.
“Já vem há muito tempo esse pedido para a ala LGBT, mas nunca tinha saído do papel. Aí veio a psicóloga do Instituto Penal e a nova direção, e nós conseguimos essa oportunidade. Não tem o que falar melhor do que gratidão e liberdade, porque a gente pode se casar, se beijar, se abraçar. É o nosso espaço, e isso é libertador”, descreve a travesti.
Mudanças
Em visita técnica, no último dia 21 de agosto, a Secretaria de Estado da Cidadania, por meio da Subsecretaria de Políticas Públicas para População LGBTQIA+, e a Agepen conferiram as melhorias estruturais que estão sendo implementadas no Instituto Penal de Campo Grande.
Diretor do Instituto Penal de Campo Grande, Leoney Martins, explica que o aprimoramento na rotina da unidade para adaptar uma ala exclusiva à comunidade LGBTQIA+ vem cumprir com as determinações do CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária), previstas na Resolução Conjunta nº 1, de 15 de abril de 2024.
“E nessa mesma esteira da resolução, a gente disponibilizou um espaço para ofertar cursos específicos para este público e para que eles além de fazer o curso, apliquem o que aprenderam neles mesmos”, ressalta.
Coordenadora do Centro Estadual de Cidadania LGBT+, vinculado à Secretaria de Estado da Cidadania, Gaby Antonietta, enfatiza que a adequação garante não só a segurança da comunidade como também oportuniza programas de remição de pena.
“Conversamos com as lideranças, em sua maioria mulheres trans e travestis, que se mobilizam para dar voz e levar para a diretoria e equipe psicossocial, as necessidades de cada preso, de cada interno. Dialogando, elas relataram os benefícios que todos têm colhido através dessas melhorias, e agradeceram muito o trabalho da Cidadania em parceria com a Agepen, e o quanto cada visita técnica que realizamos é fundamental para essas conquistas”, diz.
Quem lida diariamente com quem vive cumprindo a pena, em privação de liberdade, relata que todo processo de ressocialização é um desafio. No entanto, quando se trata da população carcerária LGBT+, ele é ainda maior com a chamada “exclusão da exclusão”.
“Os próprios custodiados não aceitam a população LGBT. O medo de ser LGBT na rua, por exemplo, é existente, não dá pra ignorar isso, mas dentro da unidade prisional, ele é uma constante. Então, o convívio coletivo tira toda e qualquer forma de tentativa de trabalho, de um processo ressocializador da população LGBT”, explica a psicóloga e policial penal do IPCG (Instituto Penal Campo Grande), Patricia Gabriela Magalhães.
Espaços como uma ala exclusiva e um local onde a comunidade LGBTQIA+ pode ser profissionalizada traz dignidade e é um passo para a reintegração social.
“Ter um local onde se possa acordar sem medo, circular preservando suas características de gênero, em que você possa começar a reconhecer o significado da dignidade humana, é o que extrai a essência do processo ressocializador, da reintegração social. Por isso, há importância em buscar ferramentas para que a população carcerária possa ser devolvida à sociedade de forma diferente, e este espaço simboliza uma esperança”, reflete Patrícia.
Paula Maciulevicius, Comunicação da Cidadania
Keila Oliveira e Tatyane Santinoni, Comunicação Agepen