Se fosse perguntado ao pantaneiro o que ele poderia comprar, vender ou consumir, certamente a resposta que séculos de convivência e sustentabilidade econômica comprovariam seria: “-Tudo que nós possamos plantar, criar ou cuidar no Pantanal, nós podemos fazer uso.
Basicamente se fossemos racionalizar uma generalização da cultura pantaneira poderíamos dizer que, diante de tanta riqueza, ele abriria mão de qualquer tipo de atividade extrativa e se dedicaria, de corpo e alma, a produção, criando, plantando, cuidando ou guardando zelosamente para o futuro.
Evidente que não abriria mão daqueles frutos que a natureza oferece com abundância sazonal, daí fazer questão de consumir trabalhosos doces de mangaba, de limão e maracujazinho, que secas as cuiazinhas, seriam cheias de doce de leite ou armazenar uma farinhada de bocaiuva ou melado de jatobá para misturar, num bom leite puxado madrugadinha ou até mesmo um peixe bem manteado e salgado.
As rapaduras no ponto de vidro atravessavam o ano adoçando todos os momentos da vida, e as de massa, conservando a polpa das frutas que de outra forma, não poderiam ser consumidas fora de sua safra.
O verdadeiro pantaneiro sempre obedece cegamente a esse mandamento, principalmente diante da cornucópia de fartura sabendo-a temporária, depois da seca a enchente ou vice versa, tolhido sempre por um comportamento primordial, que a todos impõe guardar algo para as dificuldades que o ambiente reserva para o amanhã.
Até a caçada de porcos do mato exigia algum tipo de cuidado, o alvo era sempre o macho “capado”, capturado uma vez e cirurgicamente castrado, sinalado e pitocado, tornando-o alvo prioritário, exigindo artes de rastreio e quanto mais arisco e dificil, mais prazer envolvia a sua recaptura.
Este pequeno mergulho cultural, explica alguma coisa da situação atual, onde tudo e todos querem monetizar as desvalorizadas terras ainda sob a guarda de pantaneiros remanescentes, que já assistiram manobras espúrias usando até o poder de fiscalização de estado em impostos, leis ambientais, trabalhistas, e recentemente no vistoso negócio do fogo ou a exploração de fragilidades familiares por desentendimentos, doenças ou distanciamento físico.
Quando falham essas opções, como hienas ou abutres predadores que estudam fraquezas , chegam até à nefasta prática do assassinato de reputação, sempre para se apossar totalmente de alguma região, daquelas onde Deus passou por aqui…
Depois da tal COP chegou a vez dos metacapitalistas assanharem-se em Davos, onde pelo menos a Ministra Marina Silva, conseguiu levar alguma racionalidade ao afirmar: “- Mais que o preço, o mundo precisa debater o valor da natureza, um valor que tem preço também. Sobretudo o preço de quem pesquisa; o preço de quem usufrui desses serviços ecossistêmicos e dos conhecimentos milenares daqueles que têm conhecimentos associados a esses recursos. Que esse debate seja constante nesse olhar para a natureza.”
Como poderiam entender que venerandas viúvas, mesmo sendo a bola da vez econômica, se recusam a vender pelo preço oferecido à pequena faixa de terra, onde, como enclave cercado por acúmulo de vegetais e charravascal de estúpidas reservas, foi criada uma “proteção” que gera um dano ambiental que inviabiliza a criação de gado no entorno?
Inexiste compatibilidade entre preço e valor do pertencimento a um local histórico familiar; como são pressionados pela pressa usurária da expropriação, chegam sem remorsos ao subterfúgio de caguetar para multar octogenárias distantes, por um processo de incêndios que obviamente nunca poderiam participar.
Que se dissemine em nossa sociedade, que notícias de boas intenções, são só propaganda e narrativas associadas a lucrativos projetos de cunho sócio ambientalista, que não resistiriam a uma perícia técnica para avaliar seus próprios resultados concretos.
Caso a Ministra fosse pantaneira ela condensaria sua fala no ditado poconeano que expõe mas só impõe para os moradores desta Planície o cuidado que todos devem ter com a conservação das coisas, principalmente diante da sua aparentemente inesgotável abundância :
“-Dia do muito, vespra do nada.”
Armando Arruda Lacerda
São Pedro 21/01/2014