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Cientistas estudam ‘Fungo letal do Faraó’ como tratamento contra o câncer

Até então associado à “maldição de Tutancâmon”, Aspergillus flavus revela propriedades promissoras contra células leucêmicas

O fungo tóxico Aspergillus flavus, que não apenas prejudica as colheitas, mas também foi vinculado a óbitos em escavações de tumbas antigas, foi transformado em um forte agente anticâncer por uma equipe de cientistas da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Eles fizeram isso alterando algumas moléculas do fungo e testando-as contra células de leucemia.

A descoberta abre perspectivas para novos medicamentos derivados desses organismos situadosentre o mundo vegetal e o animal: “Os fungos nos deram a penicilina. Agora, estes resultados demonstram que estão por se descobrir muitos mais medicamentos derivados de produtos naturais”, comenta a professora de bioengenharia Sherry Gao, principal autora do estudo publicado na revista Nature Chemical Biology.

O microrganismo A. flavus ganhou notoriedade de vilão quando a câmara funerária do soberano egípcio Tutancâmon (1341 a 1323 a.C.) foi aberta na década de 1920 por arqueólogos liderados por Howard Carter e uma série de mortes inexplicáveis entre a equipe de escavação deu origem à lenda da “maldição do faraó”. Foi somente décadas depois que se inferiu que os esporos (amarelos, o que justifica o epíteto latino “flavus”) do microrganismo, que estiveram latentes por séculos, poderiam ser os responsáveis.

Na década de 1970, a tragédia se repetiu quando 12 cientistas entraram no túmulo de Casimiro 4º da Polônia (1427-1492). Em poucas semanas, dez deles encontraram a morte prematura. Estudos subsequentes identificaram a presença do fungo, cujas toxinas causam infecções pulmonares.

No entanto, com base neste estudo atual, a reputação do Aspergillus flavus pode sofrer uma mudança drástica. Sua possível utilidade para o tratamento do câncer é fundamentada em uma categoria de peptídios modificados (moléculas formadas por dois ou mais aminoácidos).

Os compostos conhecidos como RiPP (ribosomally synthesized and post-translationally modified peptide) são produzidos pelos ribossomos (as estruturas responsáveis pela produção de proteínas nas células) e subsequentemente modificados para aumentar suas propriedades anticancerígenas.

Estudos prévios já haviam revelado que o Aspergillus poderia possuir RiPPs, e para determinar a fonte mais adequada, o grupo realizou uma análise genética em doze cepas, concluindo que o A. flavus era o melhor.

Ação específica promissora

Após purificar quatro RiPPs distintos, descobriu-se que as moléculas partilhavam estruturas de anéis entrelaçados, que foram batizadas “asperigimicinas”. Mesmo sem modificações, ao serem combinadas com células leucêmicas humanas, duas dessas quatro variantes demonstraram efeitos anticancerígenos potentes.

Os pesquisadores da Pensilvânia adicionaram a uma terceira variante um lipídio encontrado também na geleia real das abelhas. O composto se mostrou tão eficaz quanto a citarabina e a daunorrubicina, dois medicamentos aprovados pelos órgãos de saúde dos EUA, e usados há anos no tratamento da leucemia.

Experimentos adicionais indicaram que as asperigimicinas provavelmente interrompem o processo de reprodução celular. “As células cancerosas se dividem de modo descontrolado. Esses compostos bloqueiam a formação de microtúbulos, essenciais para a divisão celular”, explica Gao.

Foi observado também que os compostos apresentaram escasso ou nenhum impacto sobre células de câncer de mama, fígado e pulmão, bem como em várias bactérias e fungos. Isso indica que a atividade disruptiva das asperigimicinas é específica para determinados tipos de célula – um aspecto crucial para possíveis aplicações terapêuticas.

O estudo não só evidenciou o potencial médico dessas substâncias, como também encontrou conjuntos de genes similares em outros fungos, o que indica que possam existir mais RiPPs fúngicos para serem descobertos. A próxima etapa consistirá em experimentar as asperigimicinas em modelos animais, com a perspectiva de realizar futuros testes clínicos em humanos.

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