Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), reconheceu em uma decisão tomada em março a natureza questionável do motivo para a detenção de Filipe Martins, antigo assessor para Assuntos Internacionais do ex-presidente Jair Bolsonaro. Desde o dia 8 de fevereiro, Martins está em prisão preventiva, por determinação de Moraes.
Na terça-feira (23), a Gazeta do Povo obteve uma decisão datada de 28 de março, na qual o ministro expressa incerteza sobre o percurso de Martins nos últimos dias de dezembro de 2022. A justificativa de Moraes para a prisão preventiva, decretada em fevereiro, baseava-se precisamente no percurso de Martins.
Segundo Moraes, existiria o perigo do investigado fugir. O fundamento deste argumento estava na afirmação de que Martins teria viajado para Orlando no dia 30 de dezembro e não teria deixado vestígios no controle de imigração, o que poderia sinalizar um risco de evasão.
Existem, no entanto, documentos oficiais da Latam que mostram que Martins fez uma viagem de Brasília para Curitiba em 31 de dezembro, o que invalida a suposição de que o ex-assessor de Bolsonaro poderia ter usado uma viagem aos EUA como parte de um plano de fuga. Além disso, a afirmação de que Martins foi aos EUA em algum momento em dezembro de 2022 também foi refutada, conforme já revelado por uma reportagem da Gazeta do Povo.
No documento de 28 de março, Moraes reconheceu, baseado nas evidências fornecidas pela defesa de Martins e pela Latam, que existe incerteza em relação ao trajeto de Martins. Ele afirmou: “Há necessidade de complementação das informações remetidas aos autos, pois permanece a situação de dúvida sobre o real itinerário do investigado”. Esta foi uma decisão que atendeu a um pedido da Procuradoria Geral da República (PGR) para mais investigações sobre o caso.
Na sentença de janeiro que decretou a detenção preventiva de Martins, Moraes declarou que a tentativa de enganar o sistema migratório constituía um “elemento essencial” para confirmar a culpa do ex-auxiliar de Bolsonaro e ordenar sua prisão preventiva. Na sentença de março, Moraes reconhece que “permanece a situação de dúvida” em relação a esse mesmo incidente.
Em 1º de março, a PGR já havia apresentado uma manifestação apoiando a liberação de Martins, no entanto, a recomendação não foi aceita por Moraes.
A consultora jurídica Katia Magalhães expressa dúvidas sobre o motivo que teria justificado a prisão preventiva de Filipe Martins, citando a “vasta gama de irregularidades” envolvida. Ela argumenta que é inconsistente temer a fuga de alguém cujas suspeitas dos crimes que lhe são atribuídos não são seriamente fundamentadas. “Em relação a um suposto risco de fuga, é inconsistente recear a evasão de alguém sobre o qual não recaem suspeitas minimamente sérias dos crimes a ele imputados. Contudo, ainda que risco houvesse, a informação da Latam sobre o voo Brasília-Curitiba tomado por Martins já seria suficiente para comprovar a permanência do acusado em território brasileiro durante o ‘período suspeito’ apontado pelo ministro, fazendo cair por terra o risco de evasão”, afirma.
A jurista, ao citar o Código de Processo Penal, lembra que somente é possível fundamentar o decreto de prisão preventiva em “riscos iminentes à ordem pública e na existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a medida”. “Assim, como a iminência do perigo e a concretude dos fatos (exigências legais para a preventiva) são incompatíveis com a incerteza trazida ao espírito do ministro pela dúvida, e como, no âmbito penal, a dúvida é sempre favorável ao réu, Martins deveria ter sido solto pelo menos desde a data da prestação das informações pela companhia aérea”, explica.
Magalhães lista outras inconsistências no processo, como a circunstância de Martins não possuir foro privilegiado e, portanto, não deveria ser julgado por um ministro do STF. Ele também menciona a “ausência de indícios do envolvimento de Martins em atos efetivamente golpistas”.
“No Brasil, alguém só pode ser recolhido preso preventivamente se as evidências já obtidas apontarem sua autoria ou participação em delitos graves, e se a sua liberdade implicar em riscos concretos da prática de novos crimes, de fuga, e de lesão à integridade das provas”, diz.
As informações são da Gazeta do Povo