
A Presidência da República optou por manter em segredo a carta enviada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao líder russo, Vladimir Putin. Em março, Lula enviou uma mensagem felicitando Putin por sua reeleição. Contudo, a íntegra da carta não foi revelada naquele momento, e atualmente o governo de Lula escolheu impor uma restrição ainda maior ao documento.
A Presidência da República, por meio da Casa Civil, negou uma solicitação fundamentada na Lei de Acesso à Informação, feita em 20 de março do ano corrente. A administração alegou que o “sigilo de correspondência” referente ao conteúdo da missiva é para “proteger a vida privada e a intimidade” do chefe de estado. De acordo com o Palácio do Planalto, a correspondência foi enviada para Putin pelo “cidadão” Lula.
De forma curiosa, Lula revelou recentemente que tornaria público o conteúdo da terceira missiva que recebeu do presidente argentino, Javier Milei. Ainda que Lula e seu partido mantenham uma relação cordial com Putin, a situação não é a mesma com Milei.
O direito fundamental ao sigilo de correspondência, segundo esclarecimentos do governo federal, pode ser aplicado para resguardar a vida privada e a intimidade do presidente da República. Contudo, não houve especificação sobre a duração deste sigilo, após o qual a carta poderia ser tornada pública. Funcionários que avaliaram pedidos parecidos acreditam que correspondências interpretadas como pessoais podem ficar em sigilo por até um século, a menos que exista um consentimento explícito para sua divulgação por parte do remetente ou destinatário.
As correspondências enviadas pelo presidente são administradas pelo Gabinete Pessoal do Presidente da República. Mesmo que essa entidade seja encarregada de examinar cada situação individualmente, a Casa Civil também contribuiu para a resposta com base em dados do gabinete pessoal. Existiu um apelo para reavaliar a decisão.
A Casa Civil estabeleceu um precedente limitante com base em um pedido examinado no ano passado pela Secretaria Nacional de Acesso à Informação da Controladoria-Geral da União (CGU). Apesar da administração Lula afirmar que os casos são “idênticos”, há diferenças entre as circunstâncias.
A solicitação rejeitada em 16 de abril tinha como objetivo obter a “íntegra da carta enviada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, por ocasião da reeleição do líder russo em março de 2024”. Esta correspondência específica foi redigida e enviada pelo presidente durante seu mandato, em resposta ao resultado das eleições russas. Essas cartas tipicamente seguem os procedimentos burocráticos dos governos, sendo enviadas através de canais diplomáticos e palácios presidenciais.
Em contrapartida, uma requisição prévia, datada de 18 de janeiro de 2023, tinha o intuito de examinar “cópias das cartas recebidas pelo gabinete do presidente Lula de brasileiros comuns e autoridades entre 1º de janeiro e 18 de janeiro de 2022”. A CGU esclareceu que houve confusão de datas por parte do solicitante que, na verdade, estava em busca das cartas que Lula recebeu logo após assumir a presidência, nos dezoito primeiros dias do ano anterior. Essa requisição incluía cartas de todas as categorias, independentemente de quem as enviou, seja por correio físico (Correios) ou eletrônico (mensagens e e-mails).
Em sua negativa, a Casa Civil se referiu ao parecer nº 00025/2023 da CGU, que examinou o pedido de cartas enviadas a Lula em janeiro de 2023. No entanto, a CGU aplicou uma restrição mais ampla ao caso, englobando todo o tempo de mandato e estabelecendo, em tese, sigilo a todas as correspondências presidenciais.
“Considerando as relações interpessoais que o presidente mantém cotidianamente, ainda que se tratem de correspondências mantidas com autoridades nacionais ou estrangeiras e mesmo que decorram do exercício do cargo, nem assim deixam de merecer a tutela dos direitos à intimidade e à privacidade, asseguradas por meio da garantia fundamental à inviolabilidade de correspondência e comunicações”, diz trecho do parecer da controladoria, reproduzido pela Casa Civil.
No ano passado, o governo também disse que “as mensagens textuais endereçadas ao presidente são protegidas pela inviolabilidade, nos termos do art. 5º, inciso XII da Constituição Federal”. O Planalto ponderou ainda que “eventual divulgação de seu conteúdo feriria as garantias de proteção aos dados pessoais dos remetentes”.