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Novas mensagens expõem suposta mentira do TSE em caso envolvendo deputado Homero Marchese

Contradições em investigações reveladas em mensagens entre Juiz Airton Vieira e chefe de assessoria do tribunal

Um processo sigiloso, em andamento há quase dois anos contra um ex-parlamentar estadual, cujas plataformas de mídia social foram bloqueadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, expõe falhas e inconsistências nas justificativas fornecidas pelo juiz, além de um uso não formal do órgão de combate à desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A situação, divulgada na quarta-feira, 21, pelo jornal Folha de S.Paulo, evidenciou que uma solicitação de investigação feita por Moraes foi formalmente registrada como uma denúncia “anônima”. O TSE foi empregado para fornecer informações a inquéritos criminais em curso contra apoiadores de Bolsonaro. A assessoria de Alexandre de Moraes foi contatada, mas ele optou por não comentar a matéria.

O evento se iniciou no dia 12 de novembro de 2022, um sábado, após o encerramento das eleições. Nessa noite, ocorreu uma interação de mensagens entre Airton Vieira, juiz e principal auxiliar de Alexandre de Moraes no STF, e Eduardo Tagliaferro, que naquele momento era o líder da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE.

Vieira enviou a Tagliaferro, às 22h02, três arquivos via WhatsApp. Eles estavam relacionados a protestos contra ministros do STF que estariam presentes em um evento em Nova York nos dias 14 e 15 daquele mês. O evento foi organizado pelo grupo Lide, pertencente ao ex-governador João Doria.

Os documentos continham um vídeo que ressaltava a localização do hotel em que os ministros ficariam acomodados, além de duas publicações com o endereço do hotel e o anúncio do evento. Vieira solicitou a Tagliaferro: “Eduardo, por favor, consegue identificar? E bloquear? O Ministro pediu… Obrigado”. Por fim, acrescentou: “Urgente, em razão da data”.

Alexandre de Moraes solicita relatórios ao TSE

Eduardo Tagliaferro, assessor do TSE, comunicou que estava em viagem de volta de São Paulo para Brasília e que prepararia o relatório solicitado por Alexandre de Moraes. às 23h09, ele notificou Vieira de que as publicações não estavam vinculadas ao processo eleitoral. “Só não sei como bloquear pelo TSE pq (sic) não fala nada de eleições”, escreveu.

Em seguida, Vieira questionou se os responsáveis pelas postagens haviam sido identificados. Tagliaferro respondeu que foi capaz de identificar “apenas um candidato do Paraná”. “Entendi”, disse Vieira. Depois, acrescentou: “Pode enviar um relatório simples, inclusive dizendo não ter como identificar os outros dois? Bloqueio pelo STF…”.

Tagliaferro enviou um relatório às 23h54, no qual constava que o material havia sido recebido anonimamente. O relatório foi elaborado a pedido de Marco Antônio Vargas, juiz auxiliar de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral, apesar de Vargas estar em um voo no momento.

O relatório do TSE apresentou uma falha em relação à autoria das postagens. Tagliaferro identificou Homero Marchese, à época deputado estadual pelo Republicanos do Paraná (hoje no Novo e não mais deputado), como o autor de uma das imagens. Porém, a publicação de Marchese era na verdade um folheto chamando a comunidade brasileira nos EUA para um evento.

Tagliaferro informou que a publicação foi feita por Marchese, um advogado e ex-funcionário do Tribunal de Contas do Paraná, muito ativo nas redes sociais e com uma forte “retórica anticorrupção”.

Alexandre de Moraes ordena bloqueio de redes sociais

O relatório elaborado pelo assessor do TSE foi entregue ao STF às 0h08 de 13 de novembro. Usando o relatório como referência, Moraes ordenou o bloqueio das contas de Marchese no Twitter, Facebook e Instagram.

De acordo com Vieira, a decisão foi estabelecida naquela madrugada. Não houve consulta ao Ministério Público Federal nem diligências realizadas pela Polícia Federal.

Durante a sessão plenária do STF em 14 de novembro, Moraes declarou, após reportagens da Folha de S.Paulo, que todos os indivíduos mencionados nos relatórios do TSE já estavam sendo investigados nos inquéritos das “fake news” ou das “milícias digitais”, ambos sob sua supervisão no STF.

O ministro do STF Gilmar Mendes, decano do tribunal, usou o mesmo argumento em uma entrevista ao Canal Livre, da Band.

Alexandre de Moraes argumentou adicionalmente que todos os recursos apresentados foram encaminhados ao plenário do STF, sob a supervisão da Procuradoria-Geral de República (PGR).

“Todos os documentos oficiais juntados à investigação correndo pela Polícia Federal, todos já eram investigados previamente nos inquéritos já citados, com a Procuradoria acompanhando, e todos, repito, todos os agravos regimentais, todos os recursos contra as minhas decisões, inclusive de juntada desses relatórios. Todos que foram impugnados foram mantidos pelo plenário do Supremo Tribunal”, disse Moraes no plenário do STF na semana passada.

No entanto, as declarações contrastam com as informações do processo que a Folha de S.Paulo pôde acessar. Homero Marchese não estava sob investigação prévia nos inquéritos supervisionados por Moraes. Além disso, o ministro não avaliou nem apresentou ao plenário do STF os recursos propostos pelo Twitter, pela PGR e pelo próprio Marchese.

Erro de Identificação do TSE Influencia Decisão

O caso revela que Moraes suspendeu as contas do ex-parlamentar devido à identificação equivocada de Tagliaferro. A sentença declarava que Marchese divulgou a localização do hotel dos ministros, uma informação ausente no relatório do TSE e que fazia parte das publicações não rastreadas por Tagliaferro.

“Conforme se verifica, Homero Marchese utiliza as redes sociais para divulgar informações pessoais dos ministros do Supremo Tribunal Federal [localização de hospedagem], o que põe em risco a sua segurança e representa indevido risco para o fundamento do Poder Judiciário”, escreveu Moraes ao determinar os bloqueios.

Na visão do ministro, a divulgação poderia configurar crimes de “incitar, publicamente, a prática de crime” e “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito”.

Consequências e reações

No dia 13 de novembro, as plataformas implementaram as medidas de bloqueio. Tiveram um prazo de duas horas para atender à ordem, caso contrário, estariam sujeitas a uma multa diária de R$ 10 mil.

Marchese passou quase seis meses com seu Instagram bloqueado e ficou aproximadamente um mês e meio sem Twitter e Facebook.

As informações presentes nas certidões do processo indicam que a PGR só foi informada sobre o caso em 16 de novembro, três dias após a decisão de bloqueio feita por Moraes. Já Marchese só conseguiu ter acesso no dia 1º de dezembro.

Em 21 de novembro, a PGR registrou um agravo regimental solicitando a anulação da decisão e o encerramento da investigação. Lindôra Araújo, que era a vice-procuradora-geral na época, indicou no recurso que houve um erro na decisão de Moraes e que o uso do órgão de combate à “desinformação” para investigação criminal era ilegal.

“Assim, ao contrário do que foi consignado na decisão judicial recorrida, não se depreende que o investigado tenha veiculado informações pessoais relacionadas ao local de hospedagem dos ministros do Supremo Tribunal Federal, uma vez que tais dados constam de publicações de autor desconhecido”, escreveu Lindôra.

Moraes não analisou os recursos da PGR e de Marchese. Na data de 23 de dezembro, ele tomou a decisão monocrática de desbloquear o Twitter e o Facebook de Marchese, sem considerar os agravos, que de acordo com ele, foram prejudicados pela ordem de desbloqueio.

Moraes fez referência a um documento de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, na tomada desta decisão. Lira havia pedido a anulação de bloqueios em contas de deputados federais, os quais foram ordenados com base na resolução que intensificou a autoridade policial do TSE – apesar de Marchese nunca ter ocupado o cargo de deputado federal.

Moraes não fez referência ao bloqueio no Instagram em sua decisão. A principal plataforma de comunicação de Marchese, conforme afirmado por sua defesa, é essa. Por essa razão, ele recorreu novamente ao STF em 1º de março.

Decisões da Justiça

Moraes não examinou a solicitação e encaminhou o caso para o tribunal de primeira instância, justificando que ele já não era mais um deputado. A “prerrogativa de foro especial no STF” é aplicável a deputados federais, e não aos estaduais.

A conta do Instagram de Marchese foi restabelecida em 2 de maio, por determinação da Justiça do Paraná. Ele ficou ciente das razões para o bloqueio de suas redes sociais aproximadamente 15 dias após o incidente. Naquela época, não houve esclarecimento oficial. Somente o Twitter indicou que se tratava de uma decisão judicial. Marchese recorreu à Justiça do Paraná solicitando a reativação de suas redes sociais.

De acordo com o processo, Marchese buscou o gabinete do ministro através de seu advogado após ler notícias sobre as decisões de Moraes de bloquear bolsonaristas por postagens relacionadas a Nova York. Ele confirmou que foi alvo de Moraes e solicitou acesso aos autos.

As informações são da Revista Oeste

 

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